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T e x t o s & T e x t u r a s

Adeus ano velho, feliz ano novo!

Não obstante o réveillon seja uma data festiva secular ela tem profundas raízes espirituais.

Desde tempos imemoriais, o povo saúda a chegada do ano novo com rituais e cerimoniais, acompanhados de manifestações efusivas, queima de fogos de artifício, música, risos, beijos, abraços e troca de votos de paz, prosperidade e felicidade.

Como herança de antigas tradições pagãs, muitos o festejam na expectativa de atrair boa sorte, romance e absolvição.

O fato é que, simbolicamente, essa data marca o fim de um ciclo e o início de outro. E isso abre a imaginação para novas possibilidades e superação de velhas limitações.

Não passou despercebido aos mais antigos, e nem aos nossos contemporâneos, a noção quase mística de que se trata do fim de um ciclo/círculo (ano/anel) e o início de um novo ciclo/círculo (ano/anel).

Daí, desse fim/reinício, a inferência quase automática ao “renascimento”. A chegada de um novo ano ajuda a “sepultar” velhos episódios, e abre a possibilidade para o recomeço, para o surgimento de algo novo, um novo nascimento.

É mais do que certo que isso tenha a ver com os rigorosos invernos do hemisfério norte. O solstício de inverno marca o “turning point” (a virada) do ano, climaticamente falando.

É, portanto, o renascimento do ano – celebrado por pagãos como o retorno do sol, e saudado pelos cristãos como o tempo (advento) da chegada/nascimento do Sol da Justiça, o Filho de Deus.

Sabe-se que, na Babilônia antiga, os dias que compreendem o lapso entre o solstício de inverno e o ano novo eram considerados como sendo um tempo de luta entre o Caos e o Cosmos, a desordem contra a ordem, o caos tentando prevalecer no mundo.

Outras culturas, tais como a hindu, chinesa, celta, também consideravam esse um tempo apropriado para se restabelecer a ordem e as regras. É frequente nessas culturas que os foliões troquem de papéis, trocando inclusive o vestuário — por exemplo: patrões se vestem e comportam como empregados, senhores como servos, mulheres como homens, e vice-e-versa, até que a “ordem seja restaurada” — no Brasil, até pouco tempo, e ainda em alguns lugares, essa mesma ideia é expressa nos festejos de carnaval.

Conquanto cada cultura apresente suas próprias matizes quanto à celebração do ano novo, há certos temas comuns.

O período imediato que antecede a chegada do dia do ano novo é um tempo para “colocar a vida em dia”: para uma faxina geral na casa, o pagamento das dívidas, a devolução de objetos emprestados ou alugados, reflexão sobre os próprios erros e fraquezas, reparação de intrigas, doação de esmolas…

Em algumas culturas, as pessoas se jogam no mar ou em alguma outra fonte de água, para assim lavar, literalmente, a vida, apagar a lousa, zerar a conta…

Em certos lugares, como na Itália, por exemplo, na véspera de ano novo, as pessoas se desfazem de objetos e mobília velha, atirando-os pela janela.

No Equador, confeccionam simulacros, enxertados com palha, para representar os eventos do ano que finda. Essas efígies do “año viejo” são queimadas à meia-noite, possibilitando ao povo, assim, livrar-se simbolicamente do passado.

Quaisquer que sejam os preparativos, tudo deve estar pronto antes da meia-noite da véspera de ano novo.

De acordo com o folclore britânico, não se deve varrer a casa no dia de ano novo, caso contrário, a pessoa estará varrendo para fora a sua boa sorte. Tampouco se deve tirar qualquer coisa da casa, nem mesmo o lixo, ao contrário, deve-se antes trazer coisas novas para dentro da casa, para assegurar-se de que haja abundância ao longo do ano que chega.

Crendices populares querem nos convencer de que qualquer coisa que se faça na véspera do ano novo é carregada de significado em relação ao futuro.

O costume de passar o réveillon com a pessoa amada e beijá-la à meia noite, garantiria o florescimento daquela relação durante o ano que chega.

No Brasil, milhões de pessoas se reúnem nas praias no dia 31 de dezembro para homenagear Yemanjá, a mãe do mar, que, de acordo com a tradição youruba é quem traz boa fortuna.

Não podemos omitir o estranho costume dos brasileiros de escolher criteriosamente a cor das roupas que usarão na passagem de ano, inclusive as roupas de baixo: rosa para atrair o amor, amarelo para a prosperidade, branco para a paz e a felicidade.

Também as bebidas e os alimentos se revestem de especial força simbólica nessa ocasião: Nos países de fala hispânica, as pessoas costumam colocar em suas taças de vinho ou champanhe, 12 uvas. As uvas representam os meses do ano que se finda e o novo ano. Após o brinde da meia-noite, bebe-se o vinho/champanhe e come-se as uvas o mais rápido possível, fazendo um desejo para acompanhar cada uma das uvas.

Há alimentos que, como muitos acreditam, atraem boa sorte, enquanto outros, que devem ser evitados nessa noite, atraem azar. Os antigos romanos estendiam folhas de palmeiras sobre a mesa, repletas de doces, tâmaras, figos e frutas douradas. Faziam isso para expressar suas esperanças de que o novo ano seria doce, fértil e próspero.

Semelhantemente acontece em outras culturas com o arroz, milho dourado, lentilhas, uvas secas, laranjas, repolho, ervilha… todas apreciadas como símbolos de riqueza, boa sorte, e promessa de amor e fertilidade.

Conquanto todas essas práticas e todos esses costumes pareçam mera superstição, na verdade derivam de uma crença semelhante: encerrando o ano velho com respeito e começando o novo da maneira como gostaríamos que ele começasse, nós estabelecemos nossas intenções para o novo ano.

Numa perspectiva mais racional, o que se pode constatar é que, na verdade, o que acontece é uma mudança na disposição das pessoas em relação a elas mesmas e ao seu futuro. Não são as crendices que mudam o futuro, mas a atitude da pessoa que a predispõe a construir um novo tempo em sua vida.

Está aí, evidente nesses místicos costumes, um germe de espiritualidade, uma intuição para o numinoso, uma brecha para o vislumbramento do sagrado.

Antes de condenarmos impiedosamente as pessoas por tais práticas supersticiosas, devemos nos lembrar do que ensinou John Wesley sobre a graça preveniente, aquela que habita todo ser humano, mesmo os pagãos, os que adoram outros deuses, e até os que não creem em deus algum.

De alguma forma, em ocasiões como a passagem de ano, a alma humana se abre para a possibilidade de um recomeço.

Na tradição metodista, John Wesley instituiu o costume de celebrar o Culto da Renovação da Aliança (ou do Pacto), na virada do ano. Trata-se de ocasião propícia para uma especial comunhão com Deus e com o seu povo reunido, para ação de graças, para autoexame e revisão de conduta, para experimentar o perdão divino e mútuo, e para renovar as esperanças sob a doce graça de Deus.

Assim Wesley registrou em seu diário, no dia 1.o de Janeiro de 1756, referindo-se ao Culto de Renovação do Pacto recém realizado:

“Foi uma ocasião para uma variedade de experiências espirituais […] Eu não sei quando tivemos bênção maior. Além disso, muitos queriam render graças pelo perdão, pela plena salvação, ou pela doce manifestação da Sua graça, curando-os de toda recaída.”

Seja qual for a maneira como nos reunimos para celebrar a passagem de ano, nós estamos assinalando uma importante transição e abraçando um novo começo. Melhor será se o fizermos sob a doce graça do Deus que se revela das maneiras mais surpreendentes e inesperadas, mesmo nos cantos mais remotos da terra.

Luiz Carlos Ramos*

* Registro aqui meu débito ao artigo The Meaning of New Year’s Traditions: From ancient times, people have welcomed the new year with rituals to attract good fortune. Here’s a sampling. Disponível em <http://www.beliefnet.com/wellness/2006/01/the-meaning-of-new-years-traditions.aspx?p=2>. Acesso em 21.09.2017.

 

 

 

 

 

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