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T e x t o s & T e x t u r a s

Agnus Dei

João 1.29-34.

No dia seguinte [àquele da discussão sobre o batismo com os fariseus], João viu que Jesus se aproximava, então, apontando para Jesus, exclamou: “Eis aí o Cordeiro de Deus, que apaga o pecado do mundo! Era a respeito dele que eu me referia quando disse a vocês: ‘Depois de mim vem um homem que veio antes de mim, pois já era antes mesmo de eu vir a ser alguma coisa.’ Eu não o conhecia, mesmo assim, foi para isso que eu vim batizando com água: para torná-lo manifesto.”

João continuou dando testemunho a respeito de Jesus: “Eu vi o Espírito descer do céu como uma pomba e voar e revoar sobre ele. Eu não fazia ideia de quem seria esse homem, mas Deus, que me mandou batizar com água, me havia dito: ‘Você verá o Espírito descer e voar e revoar sobre um homem. Pois esse é precisamente aquele que batiza com o Vento Sagrado.’ E eu vi isso acontecer e por esse motivo posso afirmar que ele é o Filho de Deus.”

 * * *

“Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” Considero esta a expressão mais bonita e comovente de todo o Novo Testamento. E nas igrejas que preservam a tradição da espiritualidade cristã, um dos momentos mais solenes da liturgia eucarística é justamente aquele no qual se pronuncia ou se canta o Agnus Dei, precisamente durante a fração do pão:

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo, tem misericórdia de nós.

Das muitas imagens alusivas ao Messias a que se poderia recorrer, João escolheu essa, a do Cordeiro Pascal, com evidente inspiração em Isaías 53. Jesus, portanto, é a Páscoa definitiva. Moisés libertou o povo da escravidão do Egito; e Jesus liberta o mundo da escravidão do pecado.

João se refere ao “pecado do mundo”, e não simplesmente aos pecados de indivíduos, ou os de Israel, e isso não nos deve passar despercebido. O alcance da obra redentora de Deus em Cristo é universal e irrestrita.

Qual seria, afinal, o pecado do mundo, do qual o Cordeiro de Deus nos livra? À luz do prólogo do Evangelho, o grande pecado é o fato de que o mundo amou mais as trevas do que a luz.

Por viver sem luz, vivíamos a mercê do pecado, estávamos condenados a repetir indefinida e inconscientemente os mesmos erros dos antepassados, numa imitação prosaica da coletividade que nos cercava, engolidos pelo “ciclo mimético”, sem que nos déssemos conta disso.* O que confere ainda muito mais sentido à declaração a partir da cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!” Jesus tornou-se a vítima expiatória que é oferecida como sacrifício ritual, com os requintes do assassinato coletivo, para aplacar a necessidade de violência da massa.

Além da referência ao Êxodo (cordeiro pascal), a perícope de hoje também se reporta ao Gênesis, pela referência ao Espírito (pomba) que sobrevoa as águas do batismo e que desce sobre Jesus. Na tradição bíblica, a pomba concentra rico simbolismo: denota o carinho pelo ninho e alude à ação do Espírito de Deus pairando sobre as águas primordiais no ato mesmo da Criação:

“[…] o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.” (Gn 1.2).

Portanto, bem debaixo das barbas de João, o Batista, e junto às águas revolvidas do Jordão, estão acontecendo, discreta mas inexoravelmente, um novo Gênesis e um novo Êxodo. De fato, esses são a gênese e o êxodo definitivos.

Em Cristo, Deus inaugura um novo tempo, um recomeço, um tempo no qual estamos livres para romper com todos os ciclos miméticos que nos condicionavam a repetir os crimes do passado; podemos agora trilhar novos rumos, conscientes e responsavelmente; este é o tempo no qual somos libertos de toda escravidão e opressão, e principalmente do pecado da ignorância que nos mantinha prisioneiros das trevas, para finalmente vivermos na luz:

Fiat lux!

Haja luz!

Rev. Luiz Carlos Ramos
Segundo Domingo após Epifania | Ano A, 2016/2017

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* A Teoria Mimética, aplicada ao Evangelho de Jesus, foi cuidadosamente abordada pelo filósofo francês René Girard, em particular, no seu livro Eu Via Satanás Cair do Céu Como um Raio (agradeço ao Dudu Serrador pela indicação dessa obra extraordinária).

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