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T e x t o s & T e x t u r a s

Aula de Desgramática Poética

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(Tal e qual a desaprendeu Luiz Carlos Ramos,
no Livro das Ignorãças, de Manoel de Barros.
Postado pela primeira vez em 10/08/2009.)
 

 Muito bem, crianças. Hoje vamos aprender a fazer poesia com o poeta Manoel de Barros

Não se preocupem, essa desgramática é apropriada a poetas – essa discordância de número: o João é de Barro, mas o Manoel, de Barros…

Isso porque os poetas são sempre seres plurais. E, na poesia, o que importa não são as regras, mas os desvios.

Foi o Rogaciano, índio guató, que contou a ele seguinte cosmologia:

“O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore. Depois lagartixas. Apareceu um homem na beira do rio. Apareceu uma ave na beira do rio. Apareceu a concha. E o mar estava na concha. A pedra foi descoberta por um índio. O índio fez fósforo da pedra e inventou o fogo pra gente fazer bóia. Um menino escutava o verme de uma planta, que era pardo. Sonhava-se muito com pererecas e com mulheres. As moscas davam flor em março. Depois encontramos com a alma da chuva que vinha do lado da Bolívia – e demos no pé.”

Manoel, o poeta de Barros, conta que aprendeu a fazer poesia brincando de desgramática, ou como ele chamava, de agramática… é, de fazer defeito nas frases. ” Há que apenas saber errar bem o seu idioma”, explica.

A brincadeira é assim, ele desensina: Primeiro, a gente tem que desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma. Repetir repetir – até ficar diferente. Porque Poesia é voar fora da asa. Ser puxado por ventos e palavras.

Vamos tentar? O Manoel começa e vocês continuam:

“—Tirei as tripas de uma palavra.”

“— A chuva deformou a cor das horas.”

“— No chão da minha voz tem um outono.”

“— Sobre meu rosto vem dormir a noite.”

“— Eu sou culpado de mim.”

“— Eu escrevo o rumor das palavras.”

“— Lugar sem comportamento é o coração.”

“— Escuto a cor dos peixes.”

“— O escuro enfraquece meu olho.”

“— Ando muito completo de vazios.”

“— A minha independência tem algemas.”

“— Inclino a fala para uma oração.”

“— As coisas me ampliaram para menos.”

“— Me mantimento de ventos.”

— Parabéns crianças, vocês já estão diplomadas em desgramática!

Um comentário

  1. acho que esse Manoel de Barros é um passarinho que virou gente… só quem já viveu em árvores e sobrevoou nuvens consegue escrever o que ele “desescreve”…

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