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T e x t o s & T e x t u r a s

O amigo importuno e o vizinho ranzinza

Os discípulos pedem que Jesus os ensine a orar, mas ele também os ensina a como não orar, contando a seguinte estória (Lc 11.1-13):

— Imaginem só, disse Jesus ao seus discípulos, se um de vocês tiver que ir à casa de um vizinho, à meia-noite, para lhe pedir: “Vizinho, me empreste três pães. É que um amigo meu acaba de chegar de viagem, e eu estou sem nada para lhe oferecer.”

Agora imaginem se o vizinho respondesse lá de dentro: “Não me amole! Não está vendo que é muito tarde? Que a porta trancada significa que eu não quero ser incomodado? Que os meus filhos e eu já estamos na cama? Caia fora! Eu não vou me levantar daqui por nada, muito menos para lhe dar alguns pães.”

Jesus continuou: — Eu afirmo a vocês que pode ser que o vizinho não se levante porque é amigo do que lhe bate à porta, mas certamente se levantará por causa da insistência dele e, para evitar a vergonha de passar por desonrado, lhe dará tudo o que ele precisar.

Esta parábola deu ensejo a uma compreensão equivocada a respeito de como se deve orar. As pessoas passaram a deduzir daí que Deus seria como aquele vizinho ranzinza, preguiçoso e indiferente, que precisa ser importunado com insistentes golpes na porta, até ver-se obrigado a que, mesmo a contragosto, decida, finalmente, atender à suplica do fiel.

Acontece que esta é uma parábola que ensina não pela semelhança, mas pelo contraste. Aquele modo de reivindicar só se aplica a vizinhos e progenitores cruéis, patrões desumanos e a juízes iníquos, mas não ao Deus de Jesus:

Por isso eu digo que, em certas circunstâncias,
a única maneira de alguém
receber o que almeja é reivindicando teimosamente;
de achar é investigando corajosamente;
e de abrir uma porta será batendo nela insistentemente.

Porque aquele que pede recebe;
aquele que procura acha;
e a porta será aberta para quem bate.

Por acaso algum de vocês seria capaz de dar uma cobra ao seu filho, quando ele pede um peixe? Ou, se o filho pedir um ovo, lhe daria um escorpião?

Então Jesus mostra que com Deus, a estratégia deverá ser diferente, afinal, conclui ele:

Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos. Quanto mais o Pai, que está no céu, dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem!

Como se vê, não há necessidade de nos dirigirmos a Deus como se ele fosse um vizinho ranzinza, cruel e dorminhoco.

Isto posto, estamos agora em condições de reavaliar o modelo de oração oferecido por Jesus (nesta versão de Lucas, mais abreviada que a de Mateus) em resposta aos discípulos que lhe pediam: “Senhor, ensina-nos a orar”.

Pai,
santificado seja o teu nome;
venha o teu reino;
o pão nosso cotidiano dá-nos de dia em dia;
perdoa-nos os nossos pecados,
pois também nós perdoamos a todo o que nos deve;
e não nos deixes cair em tentação.

Com esse modelo de oração, Jesus nos ensina que:

  • Primeiro, Deus é mais que um vizinho, Deus é um Pai.
  • Segundo, não é um pai cruel, mas santo, cujo nome é a expressão do seu caráter.
  • Terceiro, os valores que regem a sua relação com seus filhos e filhas são os do reino, que há de ser implantado sobre toda a terra.
  • Quarto, ele sabe do que necessitamos, antes que lho peçamos, e não precisamos pedir mais do que o suficiente para viver cada dia com dignidade, sem avareza ou desperdício.
  • Quinto, é um Pai misericordioso, que perdoa.
  • Sexto, é um Pai que quer que sejamos misericordiosos e perdoemos igualmente as ofensas e as dívidas uns dos outros.
  • E, sétimo (notem o número exato), é o Pai que nos ajuda a vivermos de forma honrada e justa, e nos livra das tentações de repetirmos os mesmos erros de gente ranzinza, preguiçosa e cruel.

Aprendemos assim como se deve e como não se deve orar.

Reverendo Luiz Carlos Ramos
Para o Décimo Domingo da Peregrinação após Pentecostes, Ano C, 2016

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