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T e x t o s & T e x t u r a s

Páscoa: pedras removidas, portas abertas

Luiz Carlos Ramos

reino-de-deus by Luiz Carlos Ramos

Marcos 16.1-8

“Passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem embalsamá-lo. E, muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol, foram ao túmulo. Diziam umas às outras: Quem nos removerá a pedra da entrada do túmulo? E, olhando, viram que a pedra já estava removida; pois era muito grande. Entrando no túmulo, viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto. Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galiléia; lá o vereis, como ele vos disse. E, saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombro; e, de medo, nada disseram a ninguém.”

Introdução

A celebração da páscoa é uma ótima oportunidade para refletirmos sobre as razões da nossa esperança. Especialmente nesse tempo marcado por conflitos, decepções e ansiedades. A reflexão de hoje, especialmente voltada para a festa máxima dos cristãos, quer tratar disso. Como fonte de informação e inspiração, vamos acompanhar a narrativa que encontramos no texto bíblico lido.

O Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos, escrito sobre e para o povo comum, é o Evangelho do discipulado radical, que anuncia a superação do medo por meio do compromisso com os princípios do Reino de Deus. Nesse sentido, para a comunidade de Marcos, a Páscoa é o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo contra o evangelho de César. O evangelho de César é o evangelho do medo, do imperialismo e de uma paz imposta pela força do militarismo. 

O texto que se encontra em Marcos 16.1-8 é o epílogo dramático da história do discipulado da comunidade de Marcos. Não se trata de um “final feliz”, ao contrário, a narrativa evangélica pede resolução, como que desafiando os leitores e leitoras a continuá-la. A narrativa é repleta de acontecimentos apocalípticos.

As mulheres

Antes do sábado, José de Arimateia comprou linho, enrolou o corpo de Jesus, colocou-o em um túmulo e rolou uma pedra à porta da entrada. Depois do sábado, as mulheres compram aromas (Mc 16.1), vão até o túmulo a fim de ungir o corpo de Jesus para um sepultamento digno e, enquanto se dirigem para o túmulo, discutem de que maneira rolarão a pedra para a retirarem da entrada (Mc 16.3).

Temos aí pessoas agindo com lucidez e com senso prático, não obstante a tristeza da circunstância. Para José de Arimateia, diante da morte, já não há mais o que fazer; o melhor é pôr uma pedra sobre o assunto. As mulheres, embora conformadas com o lamentável desfecho da saga do seu mestre, entendem que pelo menos devem proporcionar-lhe um sepultamento digno, observando os rituais de embalsamamento próprios de sua cultura.

Eis aqui uma primeira idéia que a narrativa apresenta: ainda que a morte seja considerada o fim, uma pessoa deve ser tratada com dignidade, mesmo após sua morte.

A pedra

Quando as mulheres chegaram, notaram que a pedra que fechava a entrada do sepulcro já havia sido removida (Mc 16.4). Ficaram admiradas, porque a pedra era grande, e removê-la exigiria grande esforço. O texto não nos diz como isso aconteceu, nem quem removeu o selo do sepulcro. Isso reacende a esperança do leitor de que ainda haja vida na narrativa.

Eis aqui uma segunda idéia sugerida: diante da morte, há muita coisa que não sabemos explicar, nem sabemos porque acontecem, mas esses mistérios servem para nos reavivar a esperança.

O jovem

As mulheres entraram no túmulo e tiveram uma nova surpresa: não encontraram Jesus, mas um “jovem”. Este jovem está estrategicamente (ou simbolicamente?) “sentado à direita”, isto é, ocupando a posição que o círculo íntimo dos discípulos de Jesus disputava (Mc 10.37). Pela instrução de Jesus, ficou estabelecido que ocupar essa posição é de fato símbolo de verdadeiro poder de solidariedade.

Uma terceira idéia que surge da narrativa, portanto, é que a morte é sempre a ocasião para os mais inesperados encontros, e a descoberta de que nem sempre os lugares são ocupados por quem supomos serem dele merecedores.

A veste branca

O jovem que as mulheres encontraram estava vestido de branco. Seria a sua roupa o lençol que envolveu Jesus no túmulo? pois Jesus já não está mais ali. A cor das vestes do jovem é a mesma cor das vestes de Jesus na sua transfiguração (Mc 9.3), e a cor das roupas dos mártires no Apocalipse (Ap 7.9-13).

Outra idéia importante é a da morte como “transfiguração” e “martírio”, isto é, ao passar pela morte, uma pessoa já não é mais vista como antes e por sua morte a sua vida passa a ser um testemunho para todos.

O túmulo vazio

O jovem aponta para o lugar onde Jesus havia sido colocado por José de Arimateia: “Buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto” (Mc 16.6). Jesus, o nazareno, o filho do homem, ou o filho amado, é identificado agora como “o crucificado”. As autoridades que haviam condenado Jesus não ficaram com a última palavra, pois “ele ressuscitou (lit.: ‘está levantado’), não está mais aqui”.

A esta altura, a narrativa nos surpreende com a idéia de que quem tem a última palavra não é a força, mas a fé; não é o poder, mas a esperança; não é a morte, mas a vida.

A Galiléia

As instruções do jovem indicam inversões e mudanças bastante significativas. “Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galiléia; lá o vereis, como ele vos disse.” A comunidade de discípulos havia sido desarticulada pela morte do seu mestre, até mesmo Pedro havia negado Jesus, então o jovem aponta para o restabelecimento tanto da comunidade como do próprio Pedro. Estes, que haviam seguido Jesus da Galiléia para Jerusalém, agora devem segui-lo de volta à Galiléia, num novo chamado ao discipulado. A Galiléia é onde os discípulos e Pedro foram chamados pela primeira vez, e de onde foram enviados em missão e instruídos por Jesus. Assim, o que parecia terminado recomeça.

Esta é mais uma idéia incrível: a morte não é o fim, mas a oportunidade de um recomeço, mediante a volta às origens e aos princípios de uma vida de fé que se torna capaz de ver que Jesus ainda caminha à nossa frente.

A fuga e o medo(?)

É unânime a opinião dos melhores exegetas de que a conclusão original do Evangelho de Marcos se dá de fato em 16.8: “E, saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombro; e, de medo, nada disseram a ninguém.” Trata-se de um final desconcertante, pois termina com a fuga, o medo e o silêncio das mulheres. Não é a toa que houve quem achasse que a narrativa carecesse de um final mais feliz, e por isso trataram de acrescentar o epílogo que está nos versículos 9 a 20.

Trata-se mesmo de um final dramático, certamente intencional, que convoca a leitora e o leitor a se envolverem com a narrativa, quer seja por indignação, quer seja por inconformidade. Teria o evangelho de César prevalecido e o medo vencido a vida? As reações são diversas: Estaria Marcos sendo preconceituoso em relação às mulheres, julgando-as medrosas e histéricas? Ou estaria sendo irônico, pois qualquer leitor com um mínimo de senso crítico sabe que não pode ser verdade que as mulheres “nada disseram a ninguém”, senão o próprio evangelista não teria sabido desse episódio para poder narrá-lo? Seria essa então uma maneira de advertir as leitoras e leitores a respeito da possibilidade de que alguns, que tendo testemunhado a vitória do Evangelho de Cristo sobre o evangelho de César, prefiram calar-se e continuar subjugadas ou subjugados por um sistema de terror e medo?

Seja como for, mais importante do que o que realmente as mulheres fizeram é o que cada um de nós fará com o Evangelho do ressuscitado. Se não o anunciarmos, “as pedras clamarão”, pois não faltam ainda hoje, pedras removidas, pedras fora de lugar, que nos permitem ver o improvável e nos desafiam a crer no incrível.

Conclusão

Em Cristo, Deus vence todos os obstáculos que o separavam da humanidade. A pedra removida da entrada (ou saída) do sepulcro é o sinal maior da intenção de Deus de romper barreiras. Mesmo quando os discípulos se escondem e com medo trancam as portas, o Cristo ressurreto os visita e se apresenta no meio deles, porque para ele já não existem portas fechadas (Jo 20.19).

 

Oremos:
Senhor Deus da Vida, que fazes renascer em nós a esperança, remove de nós as pedras do medo, do preconceito, e da omissão. Pedimos-te pelo Ressurreto. Amém.

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4 Comentários

  1. felicidades e muitas pedras removidas. Matteo

  2. Para meditação
    Ivanildo

  3. Para meditação
    Ivanildo

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