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T e x t o s & T e x t u r a s

Quem é Jesus? Descobertas cristológicas de um cego

Figure of Christ that fills the west wall of the nave of the Anglican Cathedral in Liverpool by Carl Edwards in 1978.

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João 9 é uma das peças cristológicas mais sofisticadas de todo o Novo Testamento. O fato de sintetizar as principais perguntas sobre quem é Jesus em uma narrativa dinâmica e envolvente, longe de banalizar tal discussão teológica, consegue, antes, adensá-la, favorecendo uma compreensão sobre o Jesus histórico e o Cristo da fé mais concreta e menos alienada da vida.

A narrativa começa com uma caracterização antropológica: um homem (representando aqui toda a humanidade) é apresentado como sendo cego desde o nascimento. A humanidade postada bem ali diante da luz do mundo, mas incapaz de a reconhecer.

Isso levanta uma questão paralela sobre o porquê da cegueira humana. Essa cegueira se deve ao pecado herdado [original] ou a algum pecado recente [do indivíduo]? A resposta de Jesus põe o pecado de lado e coloca no centro o amor de Deus: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas a verdadeira razão é para que se manifestem nele as obras de Deus”. As “obras de Deus” nesse caso se manifestam por meio da cura da cegueira, num gesto gratuito e amoroso.

Uma vez constatada a cura da cegueira, tem início uma investigação, uma espécie de CPI, um processo inquisitorial, para apurar quem é esse que ousa devolver a visão à humanidade. Esse processo compreende interrogatórios que se dão em três instâncias hierárquicas sucessivas e diferentes:

Interrogado pela primeira vez, pelos seus concidadãos, o que fora cego responde: “O homem chamado Jesus fez lodo, untou-me os olhos e disse-me: Vai ao tanque de Siloé e lava-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo” (9.11). A primeira impressão é a de que Jesus é um homem, como qualquer outro. Nada mais a declarar.

Contudo, outro interrogatório mais formal se deu por parte do tribunal eclesiástico, perante o qual fora intimado a depor: “Que dizes tu a respeito dele, visto que te abriu os olhos?” A estes o que fora cego responde, ao que parece, achando que sua primeira resposta já não parecia satisfatória: “Que é profeta” (9.17). Esse mesmo parecer seria reforçado em nova sindicância inquisitorial eclesiástica: “Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito” (9.33). Ora, isto é o que é precisamente um profeta: um homem de Deus. Como era de se esperar, o que fora cego, por agora estar vendo até demais, termina condenado e sumariamente excomungado da sinagoga.

Mas a narrativa prevê o apelo a uma instância ainda superior à eclesiástica. Na verdade é a “instância superior” que vem em socorro do que fora cego: “Ouvindo Jesus que o tinham excomungado, encontrando-o, lhe perguntou: Crês tu no Filho do homem?” (9.35). Filho do homem, aqui, é título messiânico, crer no Filho do homem é, portanto, crer no Messias.

A esta altura da narrativa encontramos a terceira resposta cristológica do que fora cego. Na primeira vez, ele respondeu a respeito de quem lhe abrira os olhos, que era “um homem chamado Jesus…”, na segunda vez, dera um passo a mais, e respondeu: “que é profeta”, mas agora, no reencontro com o que lhe abrira os olhos, dá o passo definitivo que lhe permitiu entrelaçar o Jesus histórico e o Cristo da fé: “Crês tu no Filho do homem? Quem é, para que eu nele creia? E Jesus lhe disse: Já o tens visto, e é o que fala contigo. Então, afirmou ele: Creio, Senhor; e o adorou.” (9.36-38).

O que a teologia eclesiástica levou séculos para conceber em termos cristológicos, a narrativa de João 9 nos oferece em 41 versículos. Jesus é homem, profeta e Senhor. O Jesus histórico e o Cristo da fé se entrelaçam na medida em que a visão [conscientização] e o perdão são restituídos à humanidade por meio das manifestações das obras do amor de Deus.

Rev. Luiz Carlos Ramos
Para o Quarto Domingo na Quaresma | Ano A, 2017

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