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T e x t o s & T e x t u r a s

Como ganhar um irmão

Giordano Bruno, acusado de heresia, foi condenado e morto, em nome da igreja, no ano de 1600. Mais tarde se comprovou que quem tinha ideias erradas era a própria igreja.

Conversa entre amigos — Texto e alocução by Luiz Carlos Ramos

| Mateus 18.15-20 (LCR)

Se seu irmão vier a cometer um pecado, vá e procure esclarecer isso com ele.

Mas faça isso em particular, só entre vocês dois. Se essa pessoa acatar seu parecer, então você ganhou um irmão.

Porém, se não lhe der ouvidos, procure-o novamente, desta vez acompanhado de mais uma ou duas testemunhas, para fazer o que é de praxe. E assim, tudo o que for dito seja estabelecido e confirmado.

Contudo, se mesmo assim a pessoa que pecou se recusar a ouvir, mesmo na presença dessas testemunhas, então comunique isso e peça ajuda à igreja.

E, se ela também se recusar a ouvir à igreja, passe a tratar essa pessoa da mesma maneira que eu costumo tratar um estrangeiro ou um cobrador de impostos.

Que se diga logo, de saída: Jesus nunca deve ter dito essas palavras. Ao menos não como estão redigidas nesta perícope. Primeiro, Jesus nunca sairia a cata de pecadores para instaurar contra eles um processo disciplinar. Segundo, ele não poderia sugerir que o impenitente fosse trazido diante da igreja, porque esta ainda não existia. Terceiro, por uma questão de coerência, ele nunca conceberia uma punição que previsse a excomunhão. E, quarto, Jesus nunca defenderia a ideia de que estrangeiros (gentios) e publicanos fossem a tipologia de impenitentes contumazes e irreconciliáveis.

Ao contrário, Jesus recebia os pecadores, os publicanos, os estrangeiros, inclusive em suas comunhões de mesa. Não se sabe de que alguma vez Jesus tenha perseguido algum pecador para acusá-lo ou denunciá-lo e arrastá-lo aos tribunais. Em geral, eram os pecadores que o procuravam em busca de perdão. E mais, tratar alguém como pecador e publicano não seria uma punição, na perspectiva de Jesus, mas considerá-lo alguém especial, por quem Jesus dava mostras de amor incondicional; pois eram alvo especial da sua missão.

Estudando os evangelhos, fica absolutamente claro que:

Ninguém é incluído no círculo de Jesus por seus méritos,
mas apesar dos seus deméritos!

A dedução quase inevitável é que esse texto só pode ter sido um excerto posterior, datado de um período tardio no qual a igreja já estava se institucionalizando e se cercando de regulamentos, regimentos e estatutos.

Tendo isso em mente, cabe, sim, uma releitura dessa passagem, tomando em conta a necessidade de estruturação da Igreja, mas relativizando-a com a prática evangélica de Jesus.

Primeira lição

Não existe igreja perfeita nem membro de igreja perfeito. Todos somos passíveis de cometer erros. “Pecar” é errar o alvo, mas que sempre acaba acertando e ferindo alguém, geralmente a pessoa errada e inocente, tal como as balas perdidas, tão recorrentes, infelizmente, em nossos dias.

Segunda lição

Os pecados de um membro afetam toda a comunidade. Como dizia o Filho Pródigo: “Pequei contra o céu (Deus) e contra ti (o próximo).” (Lc 15.21).

Terceira lição

O pecado, mais que motivo para instaurar processo disciplinar, é antes oportunidade de reconciliação.

Quarta lição

A discrição e o respeito pela privacidade do próximo é fundamental, por essa razão, a primeira atitude na busca pela correção de um erro é o tratamento discreto e em particular.

Quinta lição

Nem sempre é simples se estabelecer a verdade. As opiniões divergem e os pontos de vista são sempre relativos. Por isso é necessário buscar ajuda de mais pessoas sensatas, para que se chegue a um consenso.

Sexta lição

Nem sempre se chega ao consenso. Algumas pessoas são tão arraigadas em suas opiniões que chegam a se tornar intolerantes e impenitentes. Nesse caso, quando as intolerâncias se afirmam abertamente, é hora de pedir ajuda à comunidade mais ampla, aqui chamada de Igreja.

Sétima lição

Esclarecidos os pontos divergentes e persistindo as divergências, a sentença, à luz da prática de Jesus, não é a excomunhão, mas redobrar os empenhos por incluir e amar o impenitente.

Afinal, quando é que uma pessoa estará mais perto do arrependimento, do perdão e da reconciliação? Permanecendo na comunidade ou sendo excluída dela? Frequentando as celebrações ou sendo afastada delas? Participando do sacramento da comunhão ou sendo impedida do acesso à mesa que nos alimenta de perdão?

Olhando para a prática de Jesus, em que pesem os descaminhos da igreja que se ia institucionalizando, não devem pairar dúvidas: Incluir os pecadores é a coisa mais certa a fazer, porque nossas ligações (e desligações) terrenas têm implicações eternas.

Esta é a melhor disciplina que uma igreja pode aplicar a quem quer que seja: Tratar a todos como alvo da missão e do amor incondicional de Deus.

Reverendo Luiz Carlos Ramos †
Por uma igreja de corações abertos, mentes abertas e braços abertos
Prédica para o Décimo Quarto Domingo da Peregrinação após Pentecostes
| Ano A, 2017

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3 Comentários

  1. Muito obrigado Luiz Carlos Ramos por compartilhar conosco suas prédicas!

  2. Quando o Espírito nos convence do pecado,da justiça e do juízo, passamos a clamar mais pela misericórdia e graça de Deus para nós e para os outros e deixamos de lado o papel de executores da justiça humana em nome da religiosidade e passamos a compreender o que é o cristianismo.

  3. Prédica que sedimenta e alimenta a ação de inclusão do pecador à comunidade!

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