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T e x t o s & T e x t u r a s

Muitos são os agraciados, mas poucos, os agradecidos

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Holanda, enchente de 1953

Lucas 17.11-19 (LCR)

Jesus seguia viagem para Jerusalém. O caminho que escolheu o obrigou a passar por entre as regiões da Samaria e da Galileia. Quando estava entrando num povoado, vieram ao seu encontro dez leprosos. Eles pararam a certa distância, como a lei exigia, mas de longe gritavam: — Jesus, Mestre, tenha misericórdia de nós!

Ao vê-los, Jesus lhes disse: — Vão e apresentem-se aos sacerdotes para que eles examinem vocês e vejam que estão purificados.

Quando iam pelo caminho, se deram conta de que estavam de fato curados. Aconteceu que um deles, que era samaritano, quando viu que estava curado, voltou louvando a Deus em voz alta. Ajoelhou-se aos pés de Jesus e lhe dava muitas graças.

Jesus disse: — Não eram dez, os que estavam contigo e foram curados? Onde estão os outros nove? Por que somente este estrangeiro voltou para glorificar a Deus?

Então Jesus disse ao homem agradecido: — Levante-se e siga o seu caminho. Você foi salvo por sua fé.

* * *

Reverendo Peter Gilhuis, que é holandês, trabalhou muitos anos como missionário no Brasil. Ouvi dele um relato que me marcou e do qual nunca me esqueci.

Como se sabe, a Holanda tem grande parte do seu território abaixo do nível do mar (cerca de 27% de sua área e 60% de sua população). Isso só é possível graças aos diques e barragens que foram edificados ao longo dos séculos para conter a água do mar, e garantir as condições de vida em seu território, literalmente, conquistado ao mar.

Por essa condição peculiar, os Países Baixos enfrentaram tremendas calamidades e inundações avassaladoras. Uma das maiores enchentes ocorreu no início de fevereiro de 1953, quando uma grande tempestade causou o colapso de vários diques no sudoeste do país. Mais de 1.800 pessoas morreram afogadas nas inundações que se seguiram.

Contou-nos o Rev. Pedro –era assim que o chamávamos, abrasileirando seu nome– que num certo vilarejo havia duas igrejas, uma católica e outra protestante, que, como era próprio da época, não se davam nada bem. Dizia ele que os protestantes eram obrigados a andar de um lado da calçada nas ruas e os católicos, na outra.

Acontece que com a enchente o templo católico foi destruído. A calamidade despertou o senso de solidariedade e, depois que as águas baixaram, o padre católico veio falar com o pastor para pedir emprestado o templo protestante. “Será só por um tempo, para realizarmos nossas celebrações, até reconstruirmos o nosso próprio templo”, dizia o padre.

Um pouco a contragosto, a princípio, chegaram a um acordo. Primeiro um grupo se reunia, nos domingos, e quando esse saía, chegava o outro.

Com o passar do tempo, esses encontros nas saídas e entradas foram quebrando barreiras e desconfianças e algumas amizades foram surgindo, especialmente entre o pastor e o padre.

Chegou um tempo em que os próprios irmãos começaram a interagir. Alguns passavam a vir mais cedo, pra ver como era a celebração do outro grupo. E outros ficavam um pouco mais, pelo mesmo motivo. Um dia alguém deu a ideia de que eles podiam, uma vez por mês, realizar um culto conjunto. A experiência deu certo. O tempo foi passando, e a partir de alguns anos, todos os cultos eram feitos em conjunto.

Por fim, as duas igrejas chegaram à conclusão de que não era mais preciso reconstruir o outro templo, porque aquele que tinham era suficiente para abrigar a Igreja de Cristo que se reunia naquele vilarejo.

No texto do Evangelho de hoje, ficamos sabendo de dez leprosos, cuja calamidade lhes permitia superar as barreiras e hostilidades habituais que havia entre judeus e samaritanos. A despeito de tudo viviam juntos.

Foi justamente um desses, que era samaritano, que vendo-se curado voltou para render graças a Deus. Jesus ficou admirado: “Mas não eram dez? Por que só este voltou para glorificar a Deus?”

Aqueles que outrora estavam juntos na calamidade e juntos buscavam pela misericórdia do Cristo, agora, que foram agraciados, se dispersaram.

Sim, muitos são os agraciados, mas poucos são os agradecidos.

A calamidade une e aproxima, oxalá a prosperidade também fizesse o mesmo e pudéssemos estar juntos para render graças a Deus em todo tempo.

Rev. Luiz Carlos Ramos
(Para o Vigésimo Primeiro Domingo da Peregrinação após Pentecostes | Ano C, 2016)

Um comentário

  1. Será que é necessário que aconteça uma grande, mas GRANDE , mesmo, calamidade para que toda a humanidade se una, se ame, se ajude???
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