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T e x t o s & T e x t u r a s

Pão & Poesia

pao

João 6.24-35: Quando, pois, viu a multidão que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum à sua procura. E, tendo-o encontrado no outro lado do mar, lhe perguntaram: Mestre, quando chegaste aqui? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo. […] Então, lhe disseram eles: Que sinal fazes para que o vejamos e creiamos em ti? Quais são os teus feitos? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer pão do céu. Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu Pai quem vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo. Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão. Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.

Os antigos filósofos gregos consideravam a Poesia superior à História. Isso porque a história (prosaica) fica confinada ao episódico, ao passado. Mas a poesia transcende o tempo e o espaço. Aquilo a que um poema se refere pode não ter acontecido nunca e ainda assim acontecer sempre (R. Alves).

A experiência poética parece se estabelecer na medida em que uma expressão tange a nossa sensibilidade estética e nos punge racional e emocionalmente a partir de dentro. É essa punção intestina que distingue a prosa da poesia. Ora, a expressão prosaica se dá a partir de fora, é analítica, racional, detalhista, e se caracteriza, portanto, pela extensão – em geral gastam-se muitas palavras para se dizer pouco. Porém, a expressão poética se dá a partir de dentro, é sensorial, universal, sintética e se caracteriza, portanto, pela concisão/intenção/intensidade – as poesias dizem muito com poucas palavras. Pode-se dizer, portanto, que, enquanto a prosa expressa (!), a poesia impressa (!). A primeira serve para ser usada, a última, para ser amada (cf. Santo Agostinho).

Ora, as multidões procuravam Jesus interessadas no pão prosaico, o pão cotidiano, e acabavam perdendo o pão poético, o Pão da Vida. “Senhor, dá-nos sempre desse pão. Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.” O pão cotidiano nos dá forças pra viver, mas o Pão da Vida nos dá motivos pra querer viver.

Conclui-se, portanto, que poesia nada tem a ver com o estereótipo dos textos “melados”, “românticos”, afetados, esdrúxulos ou piegas. É poesia o que me faz descobrir como novidade essencial aquilo que, sem ela, pareceria banal. Quando nos damos conta do que é realmente essencial, mudamos radicalmente nossas prioridades.

Quando tenho fome,
são as palavras que me alimentam
e é delas que me sacio –
não do que significam,
mas do silêncio que elas fazem.

 

A lua é um “pão de luz” a alimentar a noite.
A noite é o colo do crepúsculo.
O crepúsculo é o anfitrião da manhã.
A manhã é a morte do medo.
O medo é a moeda da moda.
A moda é o modo do mundo.
O mundo é um verso: uni-verso.
O universo é um pano preto salpicado de leite: Via Láctea.
O leite é o deleite materno no leito da vida.
A vida é ávida da dádiva havida.

 

Quando tenho fome
como as palavras.

 

Quando tenho fome
não quero a lua, mas pão de luz;
não quero a noite, mas crepúsculo;
não quero o medo, mas alvorada;
não a moda, nem o mundo;
só um verso, o Uni-Verso.

 

Quando tenho fome
como pão com os ouvidos,
ouço tudo com os olhos,
cheiro muito com os dedos,
saboreio o recheio cheio de vida.

 

Rev. Luiz Carlos Ramos
Prédica do dia 1.º de agosto de 2015
na Capela da Serra

Um comentário

  1. Pão a-gosto poetando primavéspera.

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