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T e x t o s & T e x t u r a s

“Que diferença faz morrer na Síria ou no mar?”

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Marcos 7.24-30: Jesus saiu dali e foi para a região que fica perto da cidade de Tiro. Ele entrou numa casa e não queria que soubessem que estava ali, mas não pôde se esconder. Certa mulher, que tinha uma filha que estava dominada por um espírito mau, ouviu falar a respeito de Jesus. Ela veio e se ajoelhou aos pés dele. Era estrangeira, de nacionalidade siro-fenícia, e pediu que Jesus expulsasse da sua filha o demônio. Mas Jesus lhe disse: — Deixe que os filhos comam primeiro. Não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo para os cachorros. — Mas, senhor, — respondeu a mulher — até mesmo os cachorrinhos que ficam debaixo da mesa comem as migalhas de pão que as crianças deixam cair. Jesus disse: Por causa dessa resposta você pode voltar para casa; o demônio já saiu da sua filha. Quando a mulher voltou para casa, encontrou a criança deitada na cama; de fato, o demônio tinha saído dela.

Todos os alimentos e costumes são puros, o coração humano é que é questionável. Isso nos ensinou Jesus quando tratou dos rituais intransigentes de lavagem das mãos. E agora, com a narrativa do encontro com a mulher siro-fenícia, aprendemos que todos os seres humanos também são puros, nossos preconceitos é que nos desumanizam.

O evangelho de Marcos (7. 24-37) situa o episódio  na região de Tiro e Sidom, a mesma que, por infeliz coincidência, tem estado nas manchetes de todos os últimos noticiários, devido ao drama dos refugiados dessa região que, colocando em risco a própria vida, buscam asilo nos países da União Europeia.

O maior grupo de imigrantes é de sírios, que fogem da violenta guerra civil em curso no país. Afegãos e eritreus vêm em seguida, geralmente tentando escapar da pobreza e de violações aos direitos humanos. Os grupos originários da Nigéria e do Kosovo também são numerosos – pobres e marginalizados integrantes do povo romà (cigano) são boa parte desses imigrantes. De acordo com dados da ONU, mais de 2.500 pessoas morreram este ano tentando atravessar o Mediterrâneo.

Por que essas pessoas arriscam a vida dessa maneira? A resposta de um refugiado que tentou nadar até a Grécia foi: “Que diferença faz morrer na Síria ou no mar?” Infelizmente a única alternativa que lhes resta é a escolha entre o ruim e o pior. Em situações assim extremas não se aceita “Não” como resposta. Não há mar ou oceano, polícia ou fronteira, muro ou cerca, que consiga barrar o instinto de sobrevivência.

Foi o que fez a mulher diante da postura de Jesus, quando este reproduziu o preconceituoso senso comum do seu tempo: “Não-judeus são cães imundos, indignos de se sentarem com nossos filhos à mesa.” Só que Jesus mesmo havia dito um dia que “quem se exalta será humilhado, mas quem se humilha será exaltado”. Pois bem, assim sucedeu. A réplica da mulher, que viera em busca de ajuda para sua filha enferma, é um misto de inteligência humilde e resistência altiva: “Mas Senhor, até mesmo os cachorrinhos que ficam debaixo da mesa comem as migalhas de pão que as crianças deixam cair.”

Tenho a impressão de que a comoção e a consternação que invadiu o coração de Jesus foi a mesma que assaltou boa parte do mundo, quando fomos atingidos com a imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de três anos, cujo corpo jazia com o rosto quase enterrado à beira-mar na praia turca de Ali Hoca, no vilarejo de Bodrum… nas regiões de Tiro e Sidom, portanto. Quebrantado, Jesus dirige àquela mulher síria um olhar suplicante de quem pede mil perdões, e pronuncia estas palavras de profundo respeito: “Por causa dessa resposta você pode voltar para casa; já não há sinal de demônio na sua filha.”

O mundo hoje discute: Como lidar com as centenas de milhares de refugiados que batem à porta das nossas casas? Mas quantos de nós estamos cuidando e providenciando para que os preconceitos diabólicos sejam superados, de modo que essa gente sofrida possa voltar para sua própria casa? Oremos por todos os que são obrigados a peregrinar para longe de casa em busca de lar.

Reverendo Luiz Carlos Ramos
Para o 15.º Domingo do Tempo da Peregrinação após Pentecostes
(Ano B, 2015)

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