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T e x t o s & T e x t u r a s

Tenho uma coisa para lhe dizer…

lagrimas

Um fariseu [membro de grupo religioso que vivia na estrita observância das escrituras religiosas e da tradição oral] convidou Jesus para jantar. Jesus foi até a casa dele e reclinou-se para comer, junto à mesa preparada ao rés do chão, como era o costume do lugar.

Naquela cidade morava uma mulher cuja fama era de ser pecadora. Ela soube que Jesus estava jantando na casa do fariseu e foi até lá. Então, levando consigo um frasco feito de alabastro, cheio de perfume, inclinou-se sobre os pés de Jesus, por trás. Ela chorava tanto que as suas lágrimas lavavam os pés de Jesus. E ela os enxugava com os seus próprios cabelos. Ela também beijava os pés de Jesus e derramava sobre eles o perfume que trouxera consigo.

Quando o fariseu viu isso, pensou assim: “Se este homem fosse, de fato, um profeta, saberia quem é esta mulher que está tocando nele e a vida errada que ela leva.”

Jesus então disse ao fariseu:

— Simão, tenho uma coisa para lhe dizer.

— Fale, Mestre! — respondeu Simão.

Jesus continuou:

— Dois homens tinham uma dívida com um agiota. Um deles devia quinhentas moedas de prata, e o outro, cinquenta, mas nenhum dos dois podia pagar ao agiota que havia emprestado. Então ele perdoou a dívida de cada um. Qual deles vai estimá-lo mais?

— Eu acho que é aquele que foi perdoado da dívida maior! — respondeu Simão.

— Você está certo! — disse Jesus.

Então apontou para a mulher e convidou Simão a olhar para a ela com melhores olhos:

— Você está vendo esta mulher? Quando entrei em sua casa, você não me ofereceu água para lavar os pés, como o faria qualquer anfitrião educado; porém ela os lavou com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Você não me beijou quando cheguei, coisa que todos nós fazemos em Israel; ela, porém, não para de beijar os meus pés desde que entrei. Você não pôs azeite perfumado na minha cabeça, outro costume básico do nosso povo; porém ela derramou delicadamente perfume nos meus pés. Eu garanto a você, Simão, que o amor que ela mostrou é tão grande que prova que os seus muitos pecados já foram perdoados. No entanto, onde pouco amor é demonstrado, é sinal de que muito pouco foi perdoado.

Então Jesus disse à mulher:

— Por amor, os seus pecados estão perdoados.

Os que estavam sentados à mesa começaram a questionar entre si:

— Que homem é esse que até perdoa pecados?

Mas Jesus disse à mulher:

— A sua fé, demonstrada pelo seu grande amor, salvou você. Vá em paz, seja feliz! (Lucas 7.36-47)

A leitura do Evangelho, neste caso, dispensa maiores comentários que aqueles para esclarecer detalhes sobre os costumes relativos à hospitalidade, à comensalidade e à etiqueta, bem como sobre o código de honra e vergonha que definia as relações entre as pessoas no tempo de Jesus.

Um fariseu (homem) era considerado honrado, enquanto a mulher, ainda mais a pecadora (prostituta?), era considerada uma vergonha.

A etiqueta relativa à hospitalidade compreendia intricados rituais: Lavagem de pés —muito necessária todos porque andavam descalços ou com sandálias por estradas e ruas não pavimentadas e, portanto, empeiradas ou enlameadas—; beijo de saudação e boas-vindas, dado nas duas faces do visitante; unção com óleo perfumado, que era uma maneira de dar honra a um hóspede.

As refeições eram servidas ao rés do chão. As mesas, como as conhecemos agora, eram muito incomuns, mesmo entre os abastados. O comensal se reclinava sobre seu braço esquerdo e servia-se com a mão direita, e mantinha as pernas dobradas com os pés para trás, para não ser inconvenientes à pessoa que se reclinava logo ao lado (daí a preocupação redobrada com a lavagem dos pés de quem chegava da rua).

Notoriamente o fariseu, tão legalista, não agiu exatamente como modelo de anfitrião honrado.

O fato de a narrativa expor os pensamentos íntimos do fariseu (v. 39), mas não o da mulher pecadora nos surpreende. Jesus reage à acusação velada de que não seria profeta verdadeiro. E como se estivesse lendo os pensamentos, conta uma parábola que deixa nu o fariseu diante de todos: “— Simão, tenho uma coisa para lhe dizer…” Terá isso servido para confirmar sua condição de profeta a Simão?

No entanto, Jesus não expôs os pensamentos íntimos da mulher, mas tão somente aqueles do fariseu que se evidenciavam por meio das suas atitudes de inospitalidade, indelicadeza e falta de educação.

Contudo, de certa forma, a mulher, acusada de pecadora, também demostrou, por seus atos, os seus pensamentos mais íntimos. Seu amor imenso é fruto de alguém que havia recebido o perdão dos seus muitos pecados, considerados tão grandes pelos que a cercavam.

Assim também nossos pensamentos mais íntimos se revelam nos nossos gestos. Nós somos o que pensamos, e acabamos por demonstrar, mesmo sem querer, aquilo que pensamos, quer seja por palavras (ou pela falta delas) quer por gestos (ou pela falta deles): “Como imagina em sua alma, assim a pessoa é.” (Pv 23.7)

Reverendo Luiz Carlos Ramos
(Para o Quarto Domingo após Pentecostes, Ano C, 2016)

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