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T e x t o s & T e x t u r a s

A sociedade contemporânea e a Teologia da Graça

Luiz Carlos Ramos 

© Creativ Studio Heinemann/Westend61/Corbis

 Discutir o tema da graça, hoje, é entrar em rota de colisão com os rumos da sociedade contemporânea, pois sua essência, o mercado, é justamente o oposto da graça. Se a proposta cristã se fundamenta na convicção de que a fé (salvação) “não vem de nós, mas é dom (=graça, gesto gratuito) de Deus” (Ef 2.8), o mercado se apóia na idéia de que tudo tem um preço e de que, portanto, tudo pode ser valorizado/precificado, isto é, considerado/tornado mercadoria. 

Considerar a vida como mercadoria é a formulação pelo avesso do valor vivido. Nesse contexto, anuncia-se o evangelho como mercadoria, o que representa o avesso do seu real “valor”. Essa representação/imagem invertida do real, como em espelho, é precisamente o produto de uma sociedade espetacular (do latim speculum = espelho). 

Ora, se o maior princípio do evangelho é a graça, o da mercadoria é o preço. Daí que, para o evangelho-mercadoria, já não vigora mais o princípio de que se deve “buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça”, sem a preocupação com as demais coisas, uma vez essas seriam acrescentadas naturalmente como conseqüência, (cf. registro evangélico da pregação de Jesus no Sermão do Monte em Mt 6). 

Ao contrário, os que professam o evangelho segundo o mercado abrem mão da teocracia e da justiça evangélicas, pois sua busca essencial se desloca do foco proposto por Jesus de Nazaré, de tal forma que o que importa é buscar primeiro as demais coisas. Quanto ao reino, este será acrescentado, se de fato o for, como brinde adicional. 

Essa mentalidade fica explícita no tipo de apelo que se faz para motivar os fiéis-expectadores a assistirem a certos programas religiosos espetaculares: a cura para doenças do corpo; a solução de conflitos familiares; a obtenção de bens materiais; a conquista de postos de trabalhos e lugares de proeminência; etc. Todas essas “graças” podem ser adquiridas a preços nada módicos, considerada a contrapartida exigida do fiel. Este se submete resignadamente, pois já assimilou/introjetou a idéia de que tudo no mercado exige uma cota de sacrifícios econômicos e simbólicos. 

Com esse propósito são realizados muitos atos religiosos-com-efeito-civil nos quais são firmados os contratos-de-compra-e-venda dos produtos da fé. Entretanto, não há entrega-garantida da mercadoria adquirida, muito embora essa aquisição tenha sido feita com tanto sacrifício. A obtenção da “graça” ambicionada pelo fiel — a recuperação de certa enfermidade ou a solução de determinados problemas — depende de um fator muito subjetivo, cujo ônus recai inteiramente sobre o fiel-consumidor, pois, segundo essa ideologia, o resultado depende do tamanho da fé deste. Em outras palavras, a “garantia” não é dada pelo fornecedor, mas delegada ao próprio consumidor. 

Se o fiel não obtém a cura esperada, além da enfermidade, terá que suportar o pejo de ser tido como uma pessoa sem fé, ou, pior, de ser considerado indigno da “graça” de Deus, que, segundo essa mentalidade, não é absolutamente de graça. É recorrente, entre os pregadores do evangelho segundo o mercado, a pregação de que “Deus não atende às nossas orações se tivermos alguma pendência com ele, se não estivermos quites com ele” (frase esta proferida recorrentemente por Estevão Hernandes em seus programas televisionados). Como se fosse possível alguém estar quite com Deus. 

A teologia da graça evangélica — pregada por Jesus de Nazaré e seus seguidores, reforçada pelos doutores e pais da Igreja, resgatada pelos reformadores, problematizada e apresentada de forma desafiadora por teólogos contemporâneos (tal como o fez Dietrich Bonhoeffer) —, repetindo, essa graça é hoje cooptada e deturpada pela ideologia globalizadora do mercado. Tal ideologia se apropria dos termos clássicos da teologia cristã, tais como o termo “graça”, de tal modo que tudo que lhe resta é o significante completamente esvaziado do seu significado original. 

Fazer teologia evangélica na sociedade contemporânea é fazer a opção pela proscrição. Isso porque o mercado é pródigo, isto é, generoso e esbanjador, quando se trata de exclusão, mas severo, sovina e “pão-duro”, quando se trata de inclusão. O mercado é absolutamente intolerante e inquisitorial para com aqueles que não professam a fé no seu DEU$

A graça continua a ser a maior utopia evangélica.

19 Comentários

  1. professor por favor me explique oque o senhor Quiz dizer com A graça con­ti­nua a ser a maior uto­pia evangélica.

    • Cara Meire,
      Obrigado por perguntar.
      Mais ou menos de maneira irônica, quis dizer que a Graça ainda não não é uma realidade para a igreja evangélica. Utopia signiica “não lugar”. Embora a palavra graça seja usada de maneira quase redundante (usa-se, por exemplo, como substituto de “bom dia”: “graça e paz”), no entanto, na prática, o que se acredita é numa teologia da troca, do mérito, da negociata com Deus.
      Por essa razão, disse que a graça ainda é um não lugar em muitas igrejas que se dizem evangélicas.
      Grande abraço,
      Luiz

  2. Pesquisando a respeito da Teologia da Graça, cheguei até o Sr. Professor, e gostaria de fazer uma reflexão não sei se oportuna mais que tem me icomodado muito a respeito deste tema.
    Falar da graça por incrivel que pareca cria dificuldades que por sí só tornam esse tema motivante, e desafiador e concordo plenamente com o conceito de valor exposto no artigo, os que jogam a responsabilidade para os seguidores dos acontecimentos…… não há preocupação com o ser humano, sua formação e consolidação como cristão e sim uma abertura para exclusão dos desafortunados e desprovidos de milagres!!!!! (os que ficam a margem)

  3. Também como a Eliete, buscava explicações referentes à Teologia da Graça e aportei por aqui. Devo dizer que, por outro lado, concordo plenamente que a Teologia da Prosperidade, que me parece ser o enfoque do artigo, também não possui respaldo algum nos evangelhos. Basta lembrar que Jesus disse que devemos juntar tesouros no Céu. Ponto! Observem que igrejas neo-cristãs (se assim posso me exprimir), quando pregam esta teoria, nunca mencionam Jesus, mas sempre o Velho Testamento, onde sim, a busca do poder e do dinheiro, da conquista material, era legitimada por Deus. A Teologia da Lei de Amor, ou “fora da caridade não há salvação”, é o que realmente deverá nortear o futuro das igrejas sérias, pois, admitir que Deus dá a uns e não a outros, é contrariar o evangelho, pois Deus faz chover sobre bons e maus, faz nascer o sol sobre justos e injustos, então, a mais um motivo para não adotar a Teologia da Graça, mas sim a Teologia da Lei de Amor.

  4. Em meu entendimento, Jesus nunca pregou que a graça salva. Esta é, sem dúvida, uma ideia de Paulo de Tarso, ideia que foi assimilada pela Igreja ao longo dos séculos. Salta aos olhos, da leitura evangélica, que Jesus nunca teve na fé religiosa o seu foco de atenção, muito pelo contrário, ele contrariava os princípios de sua fé judaica, tendo em mente que o homem estava acima de tudo (o homem é senhor do sábado, não o sábado é senhor do homem). Para Jesus, somente as obras poderiam conduzir à salvação e várias passagens são claras neste sentido. Por isso, entendo ser um equívoco dizer “a teologia da graça evangélica – pregada por Jesus de Nazaré e seus seguidores”, pois somente os seguidores pregaram e pregam isto, Jesus não, tanto que, em 29 vezes nos evangelhos sinóticos, em que o Mestre nazareno cita a fé, sempre é no sentido de confiança em Deus e confiança em si próprio, nunca em fé dogmática. Portanto, afirmar que “o maior princípio do evangelho é a graça”, é um equívoco. O maior princípio do evangelho é, sem dúvida alguma, a prática da caridade. Poderia elencar aqui inúmeras passagens, mas duas são lapidares, quando lhe perguntam qual é o maior mandamento e ele diz que é o amor; e quando, numa alusão ao final dos tempos, Jesus diz que estarão do seu lado direito aqueles que lhe tiverem dado de beber, comer, vestir, ou seja, quem tiver praticado a caridade.

    • Primeiramente, Dárcio, mesmo que não o conheça, deixe-me cumprimentá-lo (ou já não se usa mais de cortesia?)
      Obrigado, pelos seus comentários, ainda que em tom um tanto ásperos (não sei se próprio da sua personalidade, ou por limitações da escrita)…
      Você tem razão em parte, a prática do amor é o foco central da pregação de Jesus, mas nunca alguém se salvará por suas obras. Tanto é que, nos mesmos textos evangélicos, há o caso de pessoas que reivindicam a salvação porque fizeram muitas coisas, inclusive em nome de Jesus, e ele responde dizendo que não os conhece… Os que fazem alguma obra pra serem salvos, perdem seu tempo. Os que se salvam são os que praticam gratuitamente o amor. São salvos de graça, e pela graça. Por essa razão, não tenho dificuldade alguma em continuar a afirmar que o maior princípio do Evangelho é a Graça.
      E, meu caro, a fé sempre terá uma dimensão religiosa… Você pode dizer que a fé, como Jesus a entendia (se é que alguém pode garantir como é que Ele a entendia), não se coadunava com certa religiosidade do seu tempo, mas dizer que “Jesus nunca teve na fé religiosa o seu foco de atenção” é um tanto simplista.
      Os comentários serão sempre bem-vindos, mas adianto que não me interessam debates baseados em quaisquer fundamentalismos.
      Abraço,
      Luiz Ramos

  5. Em meu entendimento, Jesus nunca pregou que a graça salva. Esta é, sem dúvida, uma ideia de Paulo de Tarso, ideia que foi assimilada pela Igreja ao longo dos séculos. Salta aos olhos, da leitura evangélica, que Jesus nunca teve na fé religiosa o seu foco de atenção, muito pelo contrário, ele contrariava os princípios de sua fé judaica, tendo em mente que o homem estava acima de tudo (o homem é senhor do sábado, não o sábado é senhor do homem). Para Jesus, somente as obras poderiam conduzir à salvação e várias passagens são claras neste sentido. Por isso, entendo ser um equívoco dizer “a teologia da graça evangélica – pregada por Jesus de Nazaré e seus seguidores”, pois somente os seguidores pregaram e pregam isto, Jesus não, tanto que, em 29 vezes nos evangelhos sinóticos, em que o Mestre nazareno cita a fé, sempre é no sentido de confiança em Deus e confiança em si próprio, nunca em fé dogmática. Portanto, afirmar que “o maior princípio do evangelho é a graça”, é um equívoco. O maior princípio do evangelho é, sem dúvida alguma, a prática da caridade. Poderia elencar aqui inúmeras passagens, mas duas são lapidares, quando lhe perguntam qual é o maior mandamento e ele diz que é o amor; e quando, numa alusão ao final dos tempos, Jesus diz que estarão do seu lado direito aqueles que lhe tiverem dado de beber, comer, vestir, ou seja, quem tiver praticado a caridade.

  6. Professor, parabéns pelo texto, de grande sabedoria e sensibilidade. Sou católica, e o que mais me chateia independente da placa de igreja é não entender a mensagem de Jesus, onde Ele pregava o Reino de Deus e a justiça, porém muitos trocam, velas, novenas, dízimos, jejuns em troca de receber algo, nada por amor, realmente não entenderam nada em relação a Graça, atualmente estou lendo um livro lançado pela editora vozes chamado Jesus: Aproximação Histórica, cada página que leio sinto vergonha de não viver a verdadeira mensagem de Jesus.
    Parabéns novamente.
    Obs: Achei o seu texto, pq buscava algo sobre a Teologia da Graça, e basta de Teologia da Retribuição, Compensação, estamos cansados dessa hipocrisia.

    • Querida Eliete,
      muito obrigado por seu comentário.
      Fico feliz por ter contribuído de alguma forma para sua reflexão teológica.
      Não somos muito, é verdade. Ao que parece, a sedução das teologias das trocas parece mais apropriada ao sabor das massas… mas não somos os primeiros a protestar (os profetas do passado também o fizeram e pagaram caro por isso) e, oxalá, não sejamos os últimos. Que mais gente lúcida se junte a nós no caminho.
      Grande abraço,
      Luiz

  7. Professor, parabéns pelo texto, de grande sabedoria e sensibilidade. Sou católica, e o que mais me chateia independente da placa de igreja é não entender a mensagem de Jesus, onde Ele pregava o Reino de Deus e a justiça, porém muitos trocam, velas, novenas, dízimos, jejuns em troca de receber algo, nada por amor, realmente não entenderam nada em relação a Graça, atualmente estou lendo um livro lançado pela editora vozes chamado Jesus: Aproximação Histórica, cada página que leio sinto vergonha de não viver a verdadeira mensagem de Jesus.
    Parabéns novamente.
    Obs: Achei o seu texto, pq buscava algo sobre a Teologia da Graça, e basta de Teologia da Retribuição, Compensação, estamos cansados dessa hipocrisia.

    • Querida Eliete,
      muito obrigado por seu comentário.
      Fico feliz por ter contribuído de alguma forma para sua reflexão teológica.
      Não somos muito, é verdade. Ao que parece, a sedução das teologias das trocas parece mais apropriada ao sabor das massas… mas não somos os primeiros a protestar (os profetas do passado também o fizeram e pagaram caro por isso) e, oxalá, não sejamos os últimos. Que mais gente lúcida se junte a nós no caminho.
      Grande abraço,
      Luiz

  8. Luizão,
    genial! esplêndido! magnificante!
    Eu sinto falta de reflexões como esta. Na tutoria cada bate papo contigo era uma viagem teológica e filosófica, e das mais belas. Suas reflexões, no estilo “esanios filosóficos”, são tão boas como suas meditações e sermões.
    Obrigado por compartilhar tão belo e profundo texto!
    Grande abraço,
    -Vitor.

    • Grato pela consideração, Vitor,
      você é um excelente interlocutor, principalmente para assuntos que requerem inteligência e sensibilidade.
      Grande abraço,
      Luiz

  9. Luizão,
    genial! esplêndido! magnificante!
    Eu sinto falta de reflexões como esta. Na tutoria cada bate papo contigo era uma viagem teológica e filosófica, e das mais belas. Suas reflexões, no estilo “esanios filosóficos”, são tão boas como suas meditações e sermões.
    Obrigado por compartilhar tão belo e profundo texto!
    Grande abraço,
    -Vitor.

    • Grato pela consideração, Vitor,
      você é um excelente interlocutor, principalmente para assuntos que requerem inteligência e sensibilidade.
      Grande abraço,
      Luiz

  10. Infelizmente é a pura realidade.
    Tenho esperança de que tal realidade mudará.
    Temos que combater tais heresias que estão contaminando as nossas igrejas.

  11. Infelizmente é a pura realidade.
    Tenho esperança de que tal realidade mudará.
    Temos que combater tais heresias que estão contaminando as nossas igrejas.

  12. Absolutamente….

    Nem de graça deveríamos aceitar um evangelho como esse que esta sendo enfiado em nossas goelas abaixo, alienando-os massivamente!

    Amplexos,

    Yuri Steinhoff

  13. Absolutamente….

    Nem de graça deveríamos aceitar um evangelho como esse que esta sendo enfiado em nossas goelas abaixo, alienando-os massivamente!

    Amplexos,

    Yuri Steinhoff

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