Carvalhos de justiça, plantados pelo SENHOR
A propósito dos 80 anos da revista Voz Missionária
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Luiz Carlos Ramos
Isaías 61.1-11: “O alento de Adonai IaHWeH soprou sobre mim, e IaHWeH me consagrou para publicar boas notícias aos pobres, designou-me para cobrir com ataduras os seus ferimentos, para convocar à libertação os cativos, e à liberdade os que estão na prisão. Para provocar o ano da graça de IaHWeH, o dia da desforra dos nossos Elohiym; a conspirar com os que estão ofegantes; para conduzir aos que suspiram em Sião, e adorná-los de beleza em vez de cinzas, com perfume de alegria em lugar de murmúrio, vesti-los com trajes de gala em lugar de desalento agonizante, para que sejam considerados carvalhos de justiça, plantados por IaHWeH, para torná-lo esplêndido. […] Então, serei imensamente feliz, minha alma se deleitará em meus Elohiym, porque me vestiram com o traje da libertação, me revestiram com o manto da justiça; sou como um noivo paramentado, como uma noiva adornada com lindas jóias. Porque a terra lança seus brotos, como um jardim produz o que nele é semeado; assim Adonai IaHWeH produzirá justiça e louvor sobre as nações.” [Trad. nossa]
Este texto do Trito Isaías será, séculos mais tarde, o texto escolhido por Jesus para apresentar sua plataforma ministerial, quando, numa sinagoga da cidade de Nazaré, tomará o rolo para ler publicamente as Escrituras Sagradas. Jesus se apresenta, então, como continuador do ministério dos grandes profetas do passado.
Isaías é considerado um profeta profundamente utópico – no melhor sentido do termo, pois prenunciava uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade.
Podemos falar em termos de dois grandes cativeiros, ou exílios, enfrentados pelo povo de Israel, narrados na Bíblia Hebraica: primeiro, o do Egito, e o segundo, o Babilônico. Este último é o pano de fundo do profeta que, aproveitando-se da analogia do primeiro cativeiro — que terminara com o Êxodo espetacular, liderado por Moisés—, prenuncia um novo êxodo, um tempo de libertação, o ano da graça de Deus — liderado pelo messias, o ungido de Deus.
A compilação dos capítulos finais de Isaías, acredita-se, é de um período pós-exílico. O que significa que a libertação proclamada aqui, não era tanto geográfica, quanto teológica. Esta é uma resposta histórica da esperança messiânica, oferecida por profetas que presenciaram o retorno do cativeiro babilônico sob o rei persa Ciro.
Tal resposta de esperança apresenta alternativas para o povo que sofre a injustiça e a opressão da dominação estrangeira e, o que é pior, dos próprios conterrâneos. O profeta, então, proclama a iminência de um reino comandado pelo próprio IaHWeH, que administrará o direito e a justiça ao povo.
Tal utopia anunciada é a voz do messias, é uma voz missionária. Não se trata de uma expressão abstrata e vazia, mas daquela que, em meio às muitas palavras, nos faz distinguir a Palavra de Deus, uma voz que, em meios aos muitos sentidos, anuncia o grande Sentido da vida.
O som da voz…
O som dessa voz é o som do vento, do Ruach de IaHWeH: o Espírito de Deus. É, portanto, uma vocação divina: o que nos remete a ação da voz (vox+ação) de Deus sobre nós. É também uma invocação, no sentido de que essa voz se instala no íntimo, no coração, do vocacionado.
A tarefa da pessoa vocacionada também pode ser expressa como provocação, isto é, somos chamados a pro+vocar o Ano da Graça, o reinado de IaHWeH. Pois, a tarefa dessa voz é “publicar boas notícias aos pobres”. Trata-se de uma voz que se dirige, pro-vocativa e motivadora, especialmente aos que mais precisam: aos pobres (e é esta a melhor tradução do termo original, e é este o sentido que o próprio Jesus deu à sua releitura desse mesmo texto).
Essa voz é, portanto, vocação, invocação, provocação, mas é também convocação, porque essa missão profética do anúncio do reinado do Deus, do Ano da Graça, não é tarefa para uma única pessoa: Deus nos com+voca para uma missão comum e comunitária. Tanto é assim, que o próprio Jesus se incluiu entre esses profetas da esperança. E o é também no sentido de que é no reconhecimento dessa vocação pela comunidade que obtemos a confirmação da nossa própria vocação.
O toque da voz…
Mas essa voz não emite somente sons… Ela se concretiza em toques, gestos e atitudes que implicam o contato físico e a proximidade afetiva. Afinal, IaHWeH “designou-me para cobrir com ataduras os seus [dos pobres] ferimentos, para convocar à libertação os cativos [oprimidos], e à liberdade os que estão na prisão.”
Temos aqui, explicitados, os interlocutores dessa voz e os respectivos gestos que lhe cabem: para os feridos, ataduras; para os oprimidos, a libertação; e, para os presos, a liberdade.
Não é à toa que grande parte do ministério de Jesus foi dedicada, além de pregar o reinado de Deus, a curar os enfermos e feridos da sociedade. Isso porque devolver a saúde (do corpo, da mente e do espírito) ao povo, é uma das maneiras de pro-vocar o Ano da Graça.
A voz profética nos desafia a desvestirmos os “pijamas listrados” das prisões, e as roupas sóbrias, do luto, e a nos re-vestirmos com roupas alegres,“trajes de gala”. E assim poderemos nos sentir como o profeta, que assim se expressou: “Então, serei imensamente feliz, minha alma se deleitará em meus Elohiym, porque me vestiram com o traje da libertação, me revestiram com o manto da justiça; sou como um noivo paramentado, como uma noiva adornada com lindas jóias”.
O aroma da voz…
Se essa voz tem um som e nos toca, então, não deverá nos estranhar se dissermos que ela também tem aroma. Diz-nos, a Palavra de Deus, que somos designados para “adorná-los [os pobres, feridos, oprimidos e prisioneiros] de beleza em vez de cinzas, com perfume de alegria em lugar de murmúrio”. Trata-se de uma voz missionária que perfuma com o unguento da alegria e da consolação.
Esse ungüento possui muitos significados: é o óleo da unção do rei, do sacerdote e do profeta; é o perfume de acolhida, da hospitalidade, das boas-vindas e da comunhão alegre; é o bálsamo perfumado dos amantes; é a medicina dos que estão feridos; e é também o conjunto de especiarias que prepara o corpo para seu descanso eterno.
O aroma da voz profética é tudo isso ao mesmo tempo: Desperta, prepara, acalanta e acalenta, alivia, consola-nos ao longo de toda a vida. Assim tem sido nos últimos 80 anos a nossa Voz Missionária.
O sabor da voz…
O versículo 6, deste capítulo do terceiro Isaías, fala em comida… como muitos outros textos bíblicos… A voz da esperança, portanto, devolve o gosto pela e para a vida. A voz, verdadeiramente profética e missionária, é tanto denúncia do pecado quanto anúncio do perdão, é contestação do status quo e constatação de que Deus é o Senhor da História. Por essa razão, a sua Palavra é, algumas vezes doce e outras, amarga, ao paladar.
Devemos desconfiar das palavras que são sempre doces. Das que são sempre lisonjeiras, otimistas, triunfalistas… Elas são tão nocivas quanto o costume de certos pais que só dão de comer a seus filhos doces, balas, chocolates, sorvetes, refrigerantes e guloseimas desse tipo. Num primeiro momento, dão imenso prazer, mas a médio e longo prazo, conduzirão inexoravelmente ao infortúnio biológico e psicológico.
A voz, para que seja de fato missionária, deverá sabiamente dosar os ingredientes anúncio/denúncia, contestação/constatação, chamado ao compromisso e convite à esperança. Deverá, portanto, ser Palavra de Deus encarnada na prática da justiça e da misericórdia.
Jesus, o Verbo/Palavra que se fez carne, também é aquele que disse: “Eu sou o pão da vida. […] Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça.” (Jo 6.48).
A imagem da voz…
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Mas saiba que essa Voz Missionária não é mero som, é também toque afetivo, aroma suave, paladar agridoce que nos alimenta para a vida eterna, e é imagem eloqüente de um novo tempo.
Ela é vocação, invocação, convocação, provocação: porque é a Palavra de Deus. Ela tem sua origem no alento de IaHWeH, tem como tarefa publicar a vontade de Deus para as nações, e tem como finalidade última a instauração do tempo da graça, do triunfo da justiça e do reinado de Deus.
Faz parte da nossa missão, como Voz Missionária, substituir cinza por diademas, trocar as roupas de luto por trajes de gala, enxugar lágrimas e trazer alegria. Tudo isso para que sejamos “considerados carvalhos de justiça, plantados por IaHWeH, para torná-lo esplêndido”.
Por que o profeta teria escolhido como imagem para a sua voz o “carvalho”? Essa era uma árvore considerada sagrada pelos babilônios e persas, os opressores dos israelitas, mas também pelos gregos e celtas, e muitos outros povos. Todos buscavam nos carvalhos o sentido da existência, viam nele o eixo do mundo e identificavam-no como sendo um ponto de ligação da terra (raízes ) com o céu (galhos). Também usavam sua seiva medicinalmente, para curar as feridas dos leprosos. Por essas razões, incluindo por sua beleza, o carvalho se destaca das outras árvores, e é admirado.
Em outras palavras, ao se apropriar dessa imagem tão venerada em seu tempo, o profeta estava sugerindo que, se cumprirmos fielmente nossa vocação, ninguém precisará buscar nas plantas e nas árvores a revelação divina, ou o sentido para a existência, nem o remédio para seus ferimentos. Bastará que encontrem em nós esse carvalho, para que vejam, cheirem, toquem, saboreiem e ouçam a verdadeira Voz Missionária.
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MUITO BOM…
Meu irmão Deus te abençoe está otimo seu comentário! !!
muito bom! parabêns