Estudar, estudar e estudar…
(Dedico esta crônica à memória do saudoso Professor Reverendo Paulo Viana, e ao meu querido amigo, Professor Reverendo Silas Luiz de Souza, por ocasião dos seus, que são também os meus, 25 anos de Ordenação ao Sagrado Ministério)
Luiz Carlos Ramos
Nós o chamávamos simplesmente PV. Foi o professor que nos iniciou nas primeiras engatinhadas rumo à investigação acadêmica, bem como nos primeiros passos à rabeira de peripatéticos filósofos e pensadores eruditos.
Talvez eu nunca venha a compreender a exata dimensão, a importância e a influência que esse professor exerceu sobre mim, ao pedir-nos que lêssemos um despretensioso livro chamado “A arte de estudar”. Foi ele quem propiciou o encontro entre nós, alunos, e os sábios pré e pós-socráticos. Por causa dele, andamos a conversar com Aristóteles e Platão; travamos embates com Maquiavel, Hobbes, Galileu, Copérnico, Kepler, Bacon, Newton e, é claro, com Descartes…
Em nosso primeiro dia de aula, pediu que cada aluno se apresentasse e dissesse o nome completo, o presbitério a que pertencia (éramos todos de tradição reformada) e o nome do tutor (cada um tinha um designado pelo respectivo presbitério). A surpresa foi que, na semana seguinte, ele repetiu de memória todas as informações, nome por nome, presbitério por presbitério, tutor por tutor, de cada um dos 51 alunos da classe… Menos um, que propositadamente tinha sido omitido, e que se sentava bem no meio da sala… Todos pensávamos: ele se esqueceu desse! Mas, no final, depois de citar todos os demais, dramaticamente, ele se voltou para aquele aluno, e disse: “E você é o Katrinque, etc., etc…”.
Dizem as más línguas que esse excêntrico professor tinha medo do escuro, pois a lâmpada do seu quarto era vista acesa a qualquer hora da madrugada. No entanto, no dia seguinte, ele entrava em sala dizendo que, naquela noite, estivera a conversar com seu amigo Sócrates, Aristóteles, Pitágoras ou Epicuro, ou algum outro ilustre pensador.
Foi nessa ocasião também que ele, apoiado na parede lateral da sala de aula, com o braço direito erguido por cima da cabeça, tocando a orelha esquerda, pronunciou, solenemente: “Os senhores estão aqui para três misteres: estudar, estudar e estudar!”
Seu vocabulário, vasto e rebuscado, deixava a classe aturdida e, amiúde, embasbacada ou azamboada ou estupefata ou assarapantada… ou seja, boquiaberta. Um dia, comentando a biografia de São Tomás de Aquino, dizia ser esse medievo teólogo uma personalidade taciturna. Um aluno reagiu: “Uai, ’fessor, que significa isso?” Ao que o saudoso mestre respondeu: “O mesmo que sorumbático.” O aluno: “Vixi, ’fessor, piorou.” O professor: “É o mesmo que macambúzio.”
Não preciso dizer que ele era solteiro, o professor, é claro. Mas, para surpresa de todos, já com ares de cinquentão, chegou a notícia de que o nosso prezado Professor PV iria se casar… e com a filha do maior líder na Igreja Presbiteriana do Brasil. Correu, então, pelos corredores do velho Seminário Presbiteriano do Sul, a fofoca de que a lua-de-mel seria passada no Ceará, terra de origem do noivo… Mas que, no entanto, somente a noiva faria a viagem, pois o noivo já conhecia bem a região…
O fato é que histórias como estas, que já estão pra completar 30 anos, ressurgiram fresquinhas, assim que recebi o gentil convite do meu querido Rev. Silas para o Culto de Ação de Graças pelos 25 anos da sua ordenação ao pastorado.
Ora, numa manhã sombria de 1980, por imaturidade e inépcia, “agredi” a esse dileto amigo, chamando-o de PVzinho. Felizmente, a sabedoria e a capacidade de perdoar desse irmão foram maiores e, em lugar de inimigos, tornamo-nos grandes amigos.
Hoje, rememorando, e repensando as coisas, acho que ter chamado o Silas de PVzinho foi, antes, um grande elogio. E sinto saudades de ambos, ainda que por motivos distintos.
Parabéns pelos 25 anos de pastorado, companheiro. Parabéns!
Estudar, estudar e estudar by Luiz Carlos Ramos is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Belíssimo texto, Luizão, como todos os demais. A parte do “Professor, o que significa personalidade taciturna?” eu lembrava da tutoria! 🙂
Querido Luiz Carlos!
Deliciosa essa postagem.
A foto do SPS é linda.
O texto emociona, reverencia e resgata.
Parabéns pelos 25 anos.
Reproduzo mensagem que recebi do Paulo Sérgio:
Luiz Carlos,
Bela crônica, evocatória de gratas lembranças e do respeito impregnado na memória e na alma.
Parabéns também a você pelos 25 anos de ordenação.
Abraços a todos,
Paulo Sérgio
Caro Luiz Carlos,
emocionei-me lendo seu texto; senti sua presença e a presença do PV.
Obrigado.
Querido Luiz Carlos, irmão de fé, camarada
Belo texto. Evoca ternas, boas e inominadas memórias que ficaram impregnadas em todos nós que vivemos aqueles belos dias. Éramos felizes e sabíamos.
Junto-me a você para cumprimentar nosso dileto amigo Silas e todos os colegas, por esses 25 anos de ministério.
Abraços,
Marcos Alves