O Futuro Chegou!
(Escrevi esta “crônica” na virada do ano 2000.
Passada já a primeira década da nova era, resolvi revisitar o texto,
e achei que valia a pena reparti-lo com vocês)
“Ensina-nos a contar os nossos dias
para que alcancemos corações sábios.”
(Salmo 90.12)
“Não vos conformeis com este século.”
(Romanos 12.2)
Todos esperávamos, ansiosos, a passagem para o ano 2000. Mas nossa esperança de ver a chegada do futuro ficou no passado. O ano 2000 é como os outros e continua tudo igual. Agora, a expectativa é quanto à chegada do Terceiro Milênio. Será que desta vez o futuro vai chegar?
Desde menino eu me divirto assistindo à série de desenho animado Os Jetsons, cuja ambientação é toda futurista, tecnológica e intergaláctica. O curioso é que o enredo e as personagens têm funções e posturas muito parecidas com as de um outro desenho animado, só que ambientado num contexto histórico completamente oposto: refiro-me aos Flintstones.
Tanto os Jetsons quanto os Flintstones vivem suas aventuras tendo de enfrentar constantemente os seus chefes avarentos e sonhando com promoções profissionais e aumentos salariais. Tanto Jorge quanto Fred vivem o drama de não poder realizar os sonhos de consumo de seus familiares, e por isso acabam se metendo em muitas enrascadas na tentativa desesperada de obter o objeto do desejo.
Não obstante o contraste entre o cenário pré-histórico e o futurista, tanto a idade da pedra quanto a era intergaláctica parecem ter diferenças apenas cosméticas. Na essência, o mundo do futuro não é diferente do mundo do passado.
De fato há mais botões, controles-remotos e telas digitais do que há alguns anos, mas o futuro não é tão robótico quanto se esperava. Podemos dizer que não é nem tão cruel, devastador e desumano quanto se temia, mas também não é nada ingênuo ou pacífico.
O futuro é mais ou menos assim: febens e carandirus fervendo como panela de pressão; fumaça cinzentas sobre ruidosos veículos engarrafados; computadores amarrados a uma rede mundial; religiões sem Deus, mas fartas de diabos, duendes e milagreiros; morros loteados por policiais e traficantes; trombadinhas nos sinaleiros; trombadões nas repartições públicas e agências federais; filas intermináveis nos hospitais, nos caixas dos bancos, nas bilheterias dos estádios, no relógio ponto e nas agências de (des)empregos; muito luxo e obesidade nos shoppingcenters; muito lixo e barriga roncando nas favelas; muita tecnologia pra tantos analfabetos; muita riqueza virtual pra tanta miséria real; muita ciência, satélites, aeronaves, transmissores, receptores, interceptadores, luzes, painéis, reatores, turbinas… e a bilionésima criança sobre o planeta, pobre e humilde, de pele morena igualzinha ao Menino Jesus.
É! O futuro chegou!
A tecnologia pode estar a serviço do Evangelho: os microfones, os instrumentos musicais, os projetores multimídia, a rede mundial de computadores, o satélite, o hipertexto. Mas não podemos nos esquecer de que tudo isso não é muito mais do que cosmética e de que, na essência, o mundo e a humanidade da era espacial não é, nem será, muito diferente das eras pré-históricas. Nem a concretude da pedra nem a virtualidade digital dão conta de nos tornar mais humanos ou melhores cristãos. Para isso é preciso o toque da graça, vento que vem do futuro, no encontro místico do dedo de Deus com o dedo humano, num gesto que acione os propulsores da fé rumo ao planeta de Deus, que é também o planeta da gente.
Enfim, o futuro coloca sob nossos dedos os botões que são capazes de destruí-lo ou salvá-lo (é esta é uma expressão que se tornou bastante popular com a informática). O maior presente que o terceiro milênio pode nos dar é a consciência de que Deus está presente no presente!
Feliz Novo Milênio!
Luiz Carlos Ramos
Rudge Ramos, 2000
(virada do segundo milênio)