Quem nos revolverá a pedra?
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Pensamentos para o tempo de Páscoa
Por Sergio Marcus Pinto Lopes
“Quem nos revolverá a pedra da porta do sepulcro?” (Marcos 16.3)
A história da Páscoa em sua versão cristã faz parte já do conhecimento geral no ocidente, embora muitos dos que se dizem afiliados a uma igreja nem mais se lembrem de seu sentido original, tal a avalanche de propaganda de ovos coloridos, de vários tamanhos e gostos, de chocolates, de coelhos, brinquedos e coisas afins. Com seus vários preços, evidentemente! Em alguns países a celebração da Páscoa nas igrejas é dia para que as pessoas vistam roupas novas, atraentes, e saiam apresentando-as aos seus circunstantes!
Quem segue de perto as mensagens das antigas igrejas cristãs, conhece o básico. Segundo a tradição fundada em quatro livros incluídos no Novo Testamento e cognominados evangelhos, após sua morte Jesus foi baixado da cruz e colocado por José de Arimateia em uma tumba, escavada na rocha. Muito embora haja alguma divergência textual quanto à hora exata em que começava a celebração da festa da Páscoa entre os judeus – a partir dos registros dos evangelhos ditos canônicos, como são chamados estes quatro livros – o fato é que Jesus morreu e ressuscitou nessa época do ano litúrgico judaico.
Estes evangelhos possuem algumas variações em sua descrição dos eventos ocorridos no dia de sua ressurreição. Todos concordam, no entanto, sobre quatro deles, ligados à ida de algumas seguidoras de Jesus ao lugar onde seu corpo havia sido depositado com o objetivo de ungi-lo com perfumes e unguentos, como era costume de seu povo: (1) o fato de que a pedra que fechava o sepulcro já havia sido retirada, (2) que a visita das mulheres ao túmulo ocorreu no primeiro dia da semana, (3) o fato de que Jesus aparece primeiro a elas (ou a uma delas), mandando que a notícia seja enviada aos discípulos e finalmente (4) que Maria Madalena é a mais importante delas, pois é a única que aparece nos quatro relatos.
É curioso que junto a estes eventos, todos relacionados a testemunhos humanos – notavelmente femininos! – esteja também a questão da pedra retirada da entrada da tumba. Por que precisava ela ser registrada aqui? Que importância tinha isto, perante o fato miraculoso e absolutamente inacreditável de que Jesus havia ressuscitado, depois de ter comprovadamente morrido no sob os padecimentos que lhe foram infligidos na cruz? Quais as intenções dos autores destes textos hoje conhecidos como evangelhos, isto é, boas notícias, ao mencionarem isto?
Está claro que nunca o saberemos em forma definitiva. Por isso podemos assim pensar com certa liberdade, imaginando possíveis razões deste registro. O que se sabe é que as comunidades que os elaboraram trataram de registrar este simples detalhe, tal como se encontra em Mateus (28.1-3), Marcos (15. 45-47; 16.1-5), Lucas (24.1-2) e João (20.1). A todas elas pareceu importante que a história da pedra fosse preservada. Marcos faz questão de dizer: e ela era muito grande. Mateus acrescenta que ela havia sido selada pelos soldados de Pilatos. Embora tradicionalmente esta pedra tenha sido desenhada ou pintada como se fosse redonda, fácil de ser retirada, esta é uma suposição aparentemente sem fundamento. Os arqueólogos afirmam – a partir de escavações feitas na Palestina – que a quase totalidade delas tinha formato quadrado. Todos os evangelistas falam em remoção da pedra, à exceção de Mateus, que afirma ter José de Arimateia a haver rodado para fechar a tumba. De todos os modos devia ser muito difícil de ser removida.
Que relevância pode ter a retirada de uma grande pedra perante o inacreditável fato da ressurreição de Jesus? Acaso quem crê nesta afirmação precisa saber que havia uma pedra no caminho dificultando sua saída da tumba? Claro que isto era um impedimento diminuto. Mas a retirada da pedra pode servir de uma indicação para a tendência humana se preocupar com coisas de menor valor quando vistas à luz das de suprema importância.
A história de Jonas (3.4-4.11), o profeta bíblico, ilustra isto também. Segundo a tradição, ele ficou a ponto de querer morrer, muito irado pela morte de uma aboboreira que o protegia do sol, algo tão insignificante perante o fato de que a cidade de Nínive tinha sido salva da destruição porque seus habitantes haviam se convertido e deixado seus maus caminhos.
A pedra – na narrativa da ressurreição de Jesus – tem assim um sentido metafórico, simbólico, vale como uma lembrança, tanto para a vida espiritual como para nosso dia a dia, para a condução ética de nossas decisões em nossos relacionamentos com nosso semelhante, tanto na época das celebrações pascais como durante toda a vida!
Esta referência certamente nos ajuda a implantar uma celebração pascal mais autêntica em nossas famílias e comunidades, superando coisas de importância secundária e às vezes caras e difíceis de alcançar, para refletir e celebrar o que realmente tem valor para a vida do espírito! Isto é o que realmente importa.
Quem nos livrará das tradições supérfluas e nos ajudará a enxergar as coisas essenciais da vida?
Maravilhosa a abordagem, cheia de graça e verdade. Que possamos dar menos importância as mesquinharias da vida e nos concentrar no principal.