O chupim e o tico-tico
“Há, por aí, quem se propõe a driblar a Teologia da Libertação. Pois diz-se: está superada. E lugar de coisa superada seria o lixo. E lixo não se enfrenta. Contorna-se. Quem sabe. Quando estudava arqueologia, ensinaram-me que, numa escavação de algum sítio antigo, era útil encontrar seu lixo, os lugares de descarte do que era ou parecia inútil. Pois era de lá que vinham inusitadas descobertas para a arqueologia. Além disso, isso de expelir de dentro de nós mesmos nossos heróis, nossa gente lutadora, mulheres e homens, essa nossa gana ao descarte de negras e negros, de índias e índios até nos identifica. Seria – e são – o que não nos interessam. Aí não nos arrogamos a uma tremenda tolice? Em todo caso, é pelos cafundós que nossa terra ressuscita! Lixo é luxo! – Outro dia andava pelo Mato Grosso. Hospedei-me em uma família com filhinho pequeno. Mas, não havia leite; a jovem mãe se enfermara. E a criancinha ficara sem leite. Por lá havia muito trator e maquinário, mas leite do bom nenhum. Dias de dor e angústia. Até que uma dessas empregadas da região pediu se pudesse fazer uma sugestão: sua vizinha, índia-cabocla, logo ali nas quebradas do riacho, tinha vaca de leite; ela certamente cederia… E assim se fez. De um dia ao outro voltou o leite àquela casa, aliás jorrou, para aquela criancinha da ‘casa grande’. – A humanidade dessa nossa terra se expressa na humildade e na interajuda de suas mulheres e até de seus homens. Sem os pequenos, nossa vida jamais andará. Sábio não é o chupim que põe seu ovo no ninho do tico-tico; sábio é o tico-tico em seu incansável afã de alimentar o chupim por esperar sua conversão.”
(SCHWANTES, Milton. Salmos da Vida: A caminho da justiça. São Leopoldo: Oikos, 2012. p. 22. ISBN 978-85-7843-214-0.)
Lindo de viver! Saudades eternas desse amado mestre.