Uma voz no meio do nada
Mateus 3. 1-12: 1 Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e dizia: 2 Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. 3 Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. 4 Usava João vestes de pêlos de camelo e um cinto de couro; a sua alimentação eram gafanhotos e mel silvestre. 5 Então, saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão; 6 e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados. 7 Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? 8 Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; 9 e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. 10 Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo. 11 Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. 12 A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível.
O Advento celebra a memória e a esperança da vinda do Filho de Deus Salvador. Recordamos os eventos passados da vida e da vinda do Cristo, mas também renovamos nosso compromisso profético de preparar o caminho para a chegada definitiva do Cristo na nossa vida e na vida do mundo. Portanto, é já e ainda-não.
A Tradição rememora, no Segundo Domingo do Advento, o último e maior de todos os grandes profetas.
Era o final do ano 27 na Palestina, outono deles (cf. J. A. Pagola)… É nessa ocasião que surge um pregador sui generis causando enorme impacto entre o povo. Ele é diferente porque não prega na capital, Jerusalém, mas no deserto. Não se associa à elite do Templo de Jerusalém, mas dá atenção ao povo simples e marginalizado, no meio do nada. Não reforça os valores do império romano, nem o luxo e a extravagância do frívolo príncipe Herodes Antípas. Antes, adota estilo de vida modesto e recluso, veste-se de maneira rústica, cobrindo-se com peles de camelo, e alimenta-se frugalmente, com uma dieta de mel silvestre e gafanhotos. Se auto-identifica como a Voz-do-que-clama-no-deserto, anunciada pelo profeta Isaías. E, diferentemente dos oficiais do Templo, oferece gratuitamente o perdão, purificando o povo penitente com água do Rio Jordão.
Preocupados, também começaram a ir ter com ele os fariseu e saduceus, gente da elite, tratando de encontrar uma maneira de reverter a evasão de fiéis e minimizar os prejuízos econômicos, políticos e eclesiásticos dela decorrentes…
Tanto a estes como aos outros, João ergue sua Voz e clama: Arrependei-vos, preparai o caminho do Senhor e produzi frutos dignos do arrependimento!
A Voz clama no deserto: Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos céus!
Sim! Mudem seu jeito de pensar! Repensem seus conceitos!
Por que perder a dignidade a troco de luxo e ostentação? Por que perder a saúde em extravagâncias e excessos? Por que buscar Deus entre os mercadores da fé e pagar pelo perdão?
Mudem seu jeito de pensar! Repensem seus conceitos!
Enquanto o império romano e os poderosos do Templo estendem as garras do poder, as malhas da dominação e a espada da repressão, o reino de Deus nos estende a mão da justiça e os braços da paz.
Neste Advento, dificilmente encontraremos a salvação nas iluminadas vitrines dos shoppings, ou nas ruidosas igrejas apinhadas de gente egoísta, gananciosa e interesseira…
Muito ao contrário, é do lado de fora desses centros de poder que o Reino nos espera: lá entre os proscritos, os exilados, sim, entre os que estão fora do Palácio, fora do Templo e fora do Mercado…
A Voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
Sim! Preparem o caminho! Endireitem os trajetos!
Preparar e endireitar significa, principalmente, nivelar, tornar plano. Elevar o que está na depressão, e rebaixar o que está altivo. Elevar os humildes, e destronar os poderosos. É por esse caminho aplanado que deverá chegar o Salvador.
Preparem o caminho! Endireitem os trajetos!
Enquanto os impérios humanos bajulam os ricos e poderosos e desprezam e oprimem os pobres e humildes, o reino de Deus promove a justiça e a misericórdia, que destrona os opulentos e restitui a dignidade aos excluídos.
Quais são as curvas e desníveis que precisamos endireitar e nivelar, para prepararmos o caminho do Salvador, neste Advento?
A Voz clama no deserto: Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento!
Sim! Produzam o fruto da mudança! Produzam o fruto da transformação!
No trabalho da roça, duas ferramentas são muito importantes: o machado e a pá. O machado serve para cortar, e a pá para limpar e ajuntar. Vez por outra toparemos com excessos que precisarão ser cortados, aparados, desbastados… Vez por outra também será necessário juntar o que estiver espalhado e limpar o que estiver enredado na sujeira. “Já está posto o machado à raiz das árvores” e “a sua pá, ele a tem na mão…” por isso:
Produzam o fruto da mudança! Produzam o fruto da transformação!
Não dá pra transformar o mundo sem que as nossas vidas também sejam transformadas. Por essa razão temos que nos perguntar: Neste Advento, que excessos precisamos cortar? Que limpeza precisamos fazer na nossa vida para que o assessório não sufoque o essencial?
Portanto, neste Advento…
Mudemos nosso jeito de pensar! Repensemos nossos conceitos! Disponhamo-nos a deixar a agitação ruidosa dos grandes centros para sair ao encontro do Salvador no silêncio do coração e na soledade da esperança.
Preparemos o caminho para o Senhor! Disponhamo-nos a endireitar e nivelar os caminhos, denunciando a opulência e valorizando a simplicidade que restitui a dignidade aos humildes.
Produzamos o fruto da mudança, o fruto da transformação! Disponhamo-nos, pois, a cortar os excessos e a limpar as sujeiras que nos entulham física, psicológica e espiritualmente.
Enfim, deixemos de lado o mundo da aparência para viver o essencial. E, como João Batista, coloquemo-nos a serviço daquele que vem e que é mais poderoso do que tudo, cujas sandálias não somos digno de levar. Deixemos que ele nos batize com o seu Espírito e nos envolva com a chama do seu amor.
Rev. Luiz Carlos Ramos
“Uma voz no meio do nada” (Segundo Domingo de Advento, Ano A, 2013) de Luiz Carlos ramos está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.