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T e x t o s & T e x t u r a s

Vigor, doçura e amizade

Luiz Carlos Ramos
(Dedico esta prédica às mulheres da Igreja Metodista em Jundiaí,
porque elas foram as primeiras a ouvi-la)

“Nos dias em que julgavam os juízes, houve fome na terra; e um homem de Belém de Judá saiu a habitar na terra de Moabe, com sua mulher e seus dois filhos. Este homem se chamava Elimeleque, e sua mulher, Noemi; os filhos se chamavam Malom e Quiliom, efrateus, de Belém de Judá; vieram à terra de Moabe e ficaram ali. Morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela com seus dois filhos, os quais casaram com mulheres moabitas; era o nome de uma Orfa, e o nome da outra, Rute; e ficaram ali quase dez anos. Morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando, assim, a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido.

“Então, se dispôs ela com as suas noras e voltou da terra de Moabe, porquanto, nesta, ouviu que o SENHOR se lembrara do seu povo, dando-lhe pão. Saiu, pois, ela com suas duas noras do lugar onde estivera; e, indo elas caminhando, de volta para a terra de Judá, disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o SENHOR use convosco de benevolência, como vós usastes com os que morreram e comigo. O SENHOR vos dê que sejais felizes, cada uma em casa de seu marido. E beijou-as. Elas, porém, choraram em alta voz e lhe disseram: Não! Iremos contigo ao teu povo. Porém Noemi disse: Voltai, minhas filhas! Por que iríeis comigo? Tenho eu ainda no ventre filhos, para que vos sejam por maridos? Tornai, filhas minhas! Ide-vos embora, porque sou velha demais para ter marido. Ainda quando eu dissesse: tenho esperança ou ainda que esta noite tivesse marido e houvesse filhos, esperá-los-íeis até que viessem a ser grandes? Abster-vos-íeis de tomardes marido? Não, filhas minhas! Porque, por vossa causa, a mim me amarga o ter o SENHOR descarregado contra mim a sua mão. Então, de novo, choraram em voz alta; Orfa, com um beijo, se despediu de sua sogra, porém Rute se apegou a ela. Disse Noemi: Eis que tua cunhada voltou ao seu povo e aos seus deuses; também tu, volta após a tua cunhada. Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o SENHOR o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti. Vendo, pois, Noemi que de todo estava resolvida a acompanhá-la, deixou de insistir com ela.

“Então, ambas se foram, até que chegaram a Belém; sucedeu que, ao chegarem ali, toda a cidade se comoveu por causa delas, e as mulheres diziam: Não é esta Noemi? Porém ela lhes dizia: Não me chameis Noemi; chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso. Ditosa eu parti, porém o SENHOR me fez voltar pobre; por que, pois, me chamareis Noemi, visto que o SENHOR se manifestou contra mim e o Todo-Poderoso me tem afligido? Assim, voltou Noemi da terra de Moabe, com Rute, sua nora, a moabita; e chegaram a Belém no princípio da sega da cevada.” (Rute 1)

Rute, Noemi e Orfa fizeram uma reunião plenária da sociedade de mulheres para tratar de alguns assuntos fundamentais: fome, enfermidade, morte, casamento, felicidade, amargura, e amizade. O livro de Rute, que inclui a ata dessa reunião, retrata o drama existencial de mulheres que tiveram que fazer opções radicais em sua vida. Três mulheres e três visões de mundo. Três mulheres e três estilos de vida. Três mulheres e três projetos distintos. Seus nomes, Orfa, Noemi e Rute, denunciam seu caráter e seu carisma.

O projeto do “EU”

A mais jovem, Orfa chamada, representa o projeto do “EU”. O significado hebraico do seu nome sugere “pescoço”, “nuca”, e daí a interpretação de que Orfa é “aquela que volta as costas” (cf. nota da Bíblia de Jerusalém). Diante das dificuldades enfrentadas e da proposta de Noemi, Orfa voltou para o seu povo, para os seus deuses, em busca da sua felicidade.

Outros dizem que Orfa representa o “vigor da juventude”. E é próprio dos jovens um certo egoísmo. Uma preocupação com a satisfação pessoal em detrimento dos demais. Como muitos jovens, Orfa foi em busca da sua felicidade, ainda que isso custasse a infelicidade de suas amigas.

A Bíblia não condena a atitude individualista de Orfa. Parece que até se compadece dela. Entretanto, a partir daí não temos mais notícias dela. Seu interesse particular e presente a isolam da história e do futuro.

O projeto do “TU”

Noemi, a sogra, representa o projeto do “TU”. Seu nome significa “minha doçura”. A narrativa deixa explícita a postura altruísta de Noemi. “Não se preocupem comigo, vão cuidar da vida de vocês, sejam felizes…” e as beija. Tão meiga, tão carinhosa, tão doce…

Entretanto, o mesmo texto mostra o outro lado dessa personagem. No fundo tornou-se uma pessoa extremamente amarga (e chega a culpar Deus por isso: “O Senhor me amargou…”). Quando volta para Belém, não quer ser tratada por Noemi, mas quer ser chamada Mara, que em hebraico quer dizer “amargura”.

Conhecemos bem esse projeto e essas mulheres que atrás de uma maquiagem de docilidade escondem uma vida de amargura. São mulheres que só vivem para os outros: para os maridos, para os filhos, para a igreja… E acabam ficando sós, pois não se cuidam, não se valorizam, não se respeitam, não se preocupam consigo mesmas. Ficam sós porque os filhos vão embora. Ficam sós porque os maridos as deixam. Ficam sós porque as pessoas da igreja não suportam conviver com tanta amargura.

O projeto do “Nós”

Felizmente, há um terceiro projeto. O texto nos apresenta Rute que, em hebraico significa “amiga”. E esse é seu carisma. Rute não está interessada em ser feliz sozinha. Para ela, só vale a pena ser feliz se todas forem felizes juntas: “o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus, aonde você for eu vou, onde vê viver e morrer, ali viverei e morrerei também (vd. V. 16-17).

O projeto do “Nós” nos mostra que a felicidade só é completa quando todos dela participam. Minha refeição farta não me alegra se sei que há quem padeça fome. Minha prosperidade não me dá orgulho se sei que ela custa a miséria do meu próximo. Minha alegria me entristece se não é capaz de fazer sorrir aqueles e aquelas que me rodeiam.

Qual dos três projetos é o melhor? A Bíblia não diz explicitamente, mas deixa transparecer. Enquanto Orfa desaparece de cena, Rute entra para a história tornando-se uma das avós de Jesus Cristo, o Messias. Sim, uma estrangeira, uma mulher, uma amiga garantiu a chegada da salvação ao mundo. (Seu nome ganhou um lugar inclusive no Novo Testamento, e está citado na genealogia de Jesus em Mateus 1.5.)

Peroração

Orfa nos adverte contra o egoísmo das novas gerações que nos alienam das pessoas e da história. Noemi nos adverte para o fato de que se não nos valorizarmos e nos respeitarmos, não podemos esperar que os outros o façam. E Rute nos ensina a pensar comunitariamente e a agir com amizade verdadeira.

Assim, um outro título possível para esta reflexão, inspirado no cancioneiro popular, seria “amigas para sempre”.

Então, o que é que se espera das mulheres de hoje (e dos homens não se poderia esperar outra coisa)? Não tanto que sejam fortes e vibrantes, nem que sejam doces e submissas, mas que sejam acima de tudo amigas, para que possamos ser felizes juntos. Sim! Amigas e amigos para sempre.

Creative Commons License
Vigor, doçura e amizade de Luiz Carlos Ramos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-No Derivative Works 3.0 Brasil.

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2 Comentários

  1. Perfeito!!!! Mt lindo e mt bom!

  2. Muito bom!!!!!

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